Inquestionavelmente, ocorre o preconceito de terceiros, de forma direta e indiretamente. Ainda que a sociedade se considere heterossexual. O homossexualismo é um fato que se impõe e não pode ser negado, estando a merecer a tutela jurídica, ser enlaçado como entidade familiar. Necessário mudar valores, abrir espaços para novas discussões, revolver princípios, dogmas e preconceitos.
Os grandes pilares que servem de base à Constituição são os princípios da liberdade e da igualdade. Tais enunciados não podem se projetar no vazio, sendo necessária conceber sua eficácia jurídica. A valorização da dignidade da pessoa humana, como elemento fundamental do estado democrático de direito, não pode chancelar qualquer discriminação baseada em características individuais. Repelindo-se qualquer restrição à liberdade sexual, não se pode admitir tratamento desigualitário em função da orientação sexual.
Portanto, se duas pessoas passam a ter vida em comum, cumprindo os deveres de assistência mútua, em um verdadeiro convívio estável caracterizado pelo amor e respeito mútuo, com o objetivo de construir um lar, inquestionável que tal vínculo, independentemente do sexo de seus participantes, gera direitos e obrigações que não podem ficar à margem da lei.
Assim, as uniões estáveis homossexuais não podem ser ignoradas, não se tratando de um fato isolado, ou de frouxidão dos costumes como querem os moralistas, mas a expressão de uma opção pessoal que o Estado deve respeitar. Mais do que uma sociedade de fato, trata-se de uma sociedade de afeto, o mesmo liame que enlaça os parceiros heterossexuais.
Se todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, aí está incluída, por óbvio, a opção sexual que se tenha, estabelecendo que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, consagra a promoção do bem de todos sem preconceitos de sexo.
A mais tormentosa questão que se coloca, e que mais divide as opiniões, é quando se questiona sobre a possibilidade de os parceiros virem a adotar.
Contando com a analogia que o Judiciário deve reconhecer, a união estável, no entanto, tem como inconcebível fazer tal analogia, encontrando-se praticamente fechadas as portas para essa realidade, quem sabe com o propósito de não vê-la e, assim, fazê-la desaparecer.
No Brasil como em outros Países, milhares de crianças estão institucionalizadas em abrigos e orfanatos. A esmagadora maioria delas permanecerá nesses espaços de mortificação e desamor até completarem 18 anos, porque estão fora da faixa de adoção provável. Tudo o que essas crianças esperam e sonham é o direito de terem uma família no interior das quais sejam amadas e respeitadas. Graças ao preconceito e a tudo aquilo que ele oferece de violência e intolerância, entretanto, essas crianças não poderão, em regra, ser adotadas por casais homossexuais.
Será possível que a estupidez histórica construída escrupulosamente por séculos de moral lusitana seja forte o suficiente para dizer que é preferível que essas crianças não tenham qualquer família a serem adotadas por casais homossexuais, ou será que o que todas as crianças precisam é de cuidado, carinho e amor.
Aquelas que foram abandonadas foram espancadas, negligenciadas e/ou abusadas sexualmente por suas famílias biológicas. Por óbvio, aqueles que as maltrataram por surras e suplícios que ultrapassam a imaginação dos torturadores, que as deixaram sem terem o que comer ou o que beber, amarradas tantas vezes ao pé da cama, que as obrigaram a manter relações sexuais ou atos libidinosos eram heterossexuais, não é mesmo?
Dois neurônios seriam, então, suficientes para concluir que a orientação sexual dos pais não informa nada de relevante, quando o assunto é cuidado e amor para com as crianças. Por hora, parece o bastante apontar para o preconceito vigente contra as adoções por casais homossexuais, afinal que valor moral é esse que se faz cúmplice do abandono e do sofrimento de milhares de crianças.
Porém, enquanto a lei não acompanha a evolução dos usos e costumes, as mudanças de mentalidade, a evolução do conceito de moralidade, ninguém, muito menos os aplicadores do direito, podem, em nome de uma postura preconceituosa ou discriminatória, fechar os olhos a essa nova realidade e se tornar fonte de grandes injustiças. Não se podem confundir as questões jurídicas com as questões morais e religiosas.
Uma sociedade que se quer aberta, justa, livre, pluralista, solidária, fraterna e democrática, às portas do novo milênio, não pode conviver com tão cruel discriminação, quando a palavra de ordem é a cidadania e a inclusão dos excluídos. Com isso, acabam cometendo a infâmia pecaminosa, havendo a superação de uma sociedade hipócrita, que se julgam o ideal e acaba por se tornar condenável perante a mesma.
Há também o grande preconceito que provém das religiões. A concepção bíblica vem do preceito judaico de busca de preservação do grupo étnico, e toda relação sexual deveria dirigir-se à procriação. A Igreja Católica considera uma aberração da natureza, transgressão à ordem natural, uma verdadeira perversão. Considerando uma depravação e uma ameaça à família e à estabilidade da sociedade. A contradição entre os princípios da instituição da Igreja e uma sociedade que respeite a diversidade e a liberdade das pessoas é inegável.
A homossexualidade - tema encharcado de preconceitos, tabus e mitos - acompanha a idéia de que tudo que se situa fora dos estereótipos acaba por ser rotulado de "anormal", ou seja, fora da normalidade, o que não se encaixa nos padrões, visão polarizada extremamente limitante.
Interessante pensar que muitos dos homossexuais repudiam e abominam a prática da androginia. A mulher como mulher. O homem como homem. Em imagens projetadas, parece um conceito demasiado estereotipado, colar o sexo biológico ao gênero. Haja liberdade de escolha, haja criatividade, inventem-se novos conceitos, é apenas preferência estética de cada um, do contrário nada mais é do que os preconceituados preconceituando.
E assim , ao invés de um ponto final sobre este assunto, fica este tema como reticências, visto que este assunto são, em regra, questões de lenta maturação. Com a evolução dos costumes, a mudança dos valores, dos conceitos de moral e de pudor, o tema referente à opção sexual deixou de ser "assunto proibido" e hoje é enfrentado abertamente, sendo retratado no cinema, nas novelas, na mídia em geral.
É do foro psicológico de cada um, uma coisa é o que se vê, outra é o que vai por dentro do ser - humano e os métodos usados para camuflar o que realmente se é, o que se sente, ou então não. É-se e pronto.
Afinal cada um de nós é uma semente livre que pode fazer do futuro um motivo de comemoração.
Juliana Ribeiro Arantes
Psicóloga
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