PARA O DIA DA AMIZADE
Corpo franzino, pele bastante clara, olhos de um azul vivo,
cabelo cor avelã.
É o retrato físico do personagem desta História.
Uma criança, de carater e personalidade vincada, determinado
nas suas tomadas de decisão.
De espirito solidário, dava aos outros, o que para si
precisava.
Um verdadeiro altruísta.
Mas o Rodrigo, ostentava uma grande revolta pelo degradante
ambiente familiar, com o qual coabitava.
Uma família desarticulada, com graves problemas de alcoolismo.
Na escola, transbordava toda a sua raiva de uma vida vestida
de madrasta.
Era considerado um aluno altamente problemático, e
conflituoso.
São os rótulos fáceis de aplicar em avaliações e julgamentos
feitos em gabinete, ignorando a verdadeira origem do problema.
Ele tentava fintar a amargura, que lhe corroía a alma, com
um sorriso terno e doce, que irradiava do seu rosto, onde 3 sardas se
evidenciavam.
Criança, irreverente e traquina, eram atributos
perfeitamente normais para a sua tenra idade.
Estava pelos 7 anos, um curto caminho, mas repleto de sofrimento.
O fator proximidade, fazia de mim, uma testemunha da sua execrável
realidade familiar.
Dessa forma, eu era das poucas pessoas, por quem ele nutria
simpatia e confiança, laços que o tempo transformou em amizade.
Era na minha casa, que muitas vezes lhe saciava a fome, e
lhe dispensava a atenção e o respeito, a que uma criança tem direito.
Foi num fim de tarde pardacento, do mês de novembro, que
sentados nos degraus da escada de acesso ao alpendre de minha casa, desfiamos
esta conversa.
O Rodrigo, implorava,
através de um olhar triste e distante, que lhe dessem a oportunidade de ser
feliz.
De sentir o calor de um carinho, e que acreditassem nele.
Recordo algumas questões que me colocava.
O que é preciso fazer para ser feliz?
Os pobres também podem ser felizes?
A que idade chega a felicidade?
Estava espelhada a vontade sôfrega, de encontrar algo que
lhe parecia inatingível, e que os seus 7 anos de idade estavam famintos.
A felicidade.
O azul dos seus olhos, tornava-se ainda mais explícito.
Fitando-me, perguntou.
Estou-te a aborrecer com as minhas perguntas, não é?
Não, claro que não Rodrigo.
Eu não podia ser mais um, a defraudá-lo, nas suas espectativas.
A felicidade, é como uma semente, que lançamos à terra, para
germinar, crescer, e colher o fruto.
Então a nossa amizade também é uma dessas sementes?
Sim, claro que sim.
Então é por isso que quando estou junto de ti, me sinto
feliz?
Sim, é exatamente isso.
A felicidade tens que ser tu a construi-la, e a procura-la
nas coisas boas que a vida nos oferece.
Pois, mas eu sou mau!
Na escola até já me disseram que devo ser filho do diabo.
Rodrigo, todas as pessoas nascem boas.
Repara naquele imponente sobreiro!
Do seu majestoso tronco nascem vários ramos, que se
multiplicam.
Sim e?
Imagina que é a estrada principal da vida.
Depois temos os atalhos, cabe-nos saber tomar a direção certa.
É por isso que as pessoas dizem, quem se mete em atalhos,
mete-se em trabalhos?
Nem mais, é isso mesmo.
Devemos optar sempre pelo caminho da verdade, justiça, e
humildade.
Ajudas-me a encontrá-lo?
Sim, é o meu dever, como teu amigo que sou.
O tempo foi passando, e o Rodrigo procurava em mim o
alicerce que familiarmente não tinha.
Lembro um desabafo que de forma espontânea fez.
Tu é que podias ser o meu Pai!
Nós devia-nos poder escolher os nossos Pais.
Mas não pode ser pois não?
Não Rodrigo.
Mas podemos fazer bons amigos, que nos podem ajudar a
enfrentar os problemas e desafios que a vida nos impõe.
Como um jogo de futebol, que umas vezes ganhamos, outras
perdemos?
Exatamente.
Sabes Rodrigo, é tão glorioso saber ganhar, como é ainda
mais saber perder.
Um verdadeiro campeão vê-se na derrota.
Mas então para sermos felizes, temos que sofrer?
Inevitavelmente sim.
Mas acredita, que o sabor da vitória quando chega sobre algo
de muito difícil, dá-nos mais força, mais alento para o futuro.
Olha, sabes uma coisa?
Diz.
Eu vou fazer 8 anos na próxima quinta-feira.
Achas que eu me ia esquecer disso?
Claro que não Rodrigo.
Que presente gostavas de receber?
Uma mochila carregada de felicidade.
Ok, vamos ver o que se arranja.
No outro dia que fui a vila, vi uma muito fixe, era da nike.
Mas o meu Pai disse-me que se eu lhe falasse em comprar um
garrafão de vinho, é que falava bem, ameaçando-me com um estalo.
Eu quero crescer rapidamente para sair de casa, levo a minha
mãe comigo.
Se não fosse a tua amizade, já nem sei o que tinha feito.
Havia dias em que o Rodrigo, recorria a mim, para jantar e
até mesmo dormir, fugindo do quadro de terror que vivia em casa.
Para dormir mais aconchegado, enrolava uma mantinha, que
colocava sobre a cama ao seu lado.
Habituou-se de tal forma a este ritual, que ainda hoje o
preserva.
Sabes, por vezes vou até ao rio, e choro sozinho, por não
ser igual aos outros meninos da minha escola.
Eles gozam-me pelas tristes figuras que o meu Pai faz quando
está bêbado.
Vamos ter uma festa de natal, eu vou participar, numa peça
de teatro, mas já sei que não vou ter os meus Pais a ver-me.
Eu estarei presente Rodrigo.
Tu vais?
Claro que sim, ia lá eu perder uma peça de teatro onde o meu
amigo vai participar.
Estarei lá, e na fila da frente.
Vi lágrimas nos seus olhitos, desgastados pelo sofrimento.
Poço d’arte um abraço forte?
Então porque não o havias de poder fazer!
Gostava de combinar contigo um segredo, mas tenho medo que
fiques zangado.
Diz lá.
Quando estiver contigo poço chamar-te de Pai?
Se isso contribuir para a tua felicidade, claro que podes.
Eu irei continuar a ter a mesma postura que tenho tido até
aqui.
Ser teu amigo.
Levantou-se num ápice olhou-me nos olhos abriu os braços
como se fosse abraçar o mundo, e selou ali a nossa já grande mas agora
reforçada amizade.
Porque entre mim e ele, agora eramos Pai e Filho.
No dia do seu aniversário, presenteei-o com a tão sonhada e
desejada mochila.
Foi dos momentos mais emocionantes que vivi.
Aquela criança, a completar 8 anos, abraçou-me de maneira
tão efusiva, agradecendo-me, tudo isto alagado num mar de lágrimas de
felicidade, ao qual eu não consegui ficar indiferente.
Depois, de digerir-mos aquele momento, arranquei-lhe um
sorriso supra encantador, quando lhe disse.
Rodrigo, afinal já tens a mochila, que tanto querias, e ela
veio cheia de felicidade, como tinhas pedido!
Ainda com a voz trémula respondeu.
Obrigado Pai, por realizares este meu sonho.
Afinal ela existe!
Tudo vou fazer, para te retribuir, tornando-me um bom
menino, e bom aluno.
Acreditas em mim, não acreditas?
Sim, és o meu campeão!
Vais-te orgulhar muito de mim.
Assim é que se fala!
Como vez, a vida não é feita só de tristezas!
Quero-te agradecer este dia Rodrigo, já que a tua felicidade
é recíproca.
Ofereceste-me um dia que guardarei para sempre no álbum da
minha memória.
Afinal é tão fácil e simples fazer uma criança feliz!
OBRIGADO RODRIGO.
ADORO-TE PAI!
DIOGO_MAR
Diogo, há posts onde comentar se torna difícil, pela grandeza do que se lê...
ResponderEliminareste é um deles :)
Um abraço assim_______________