Ainda hoje, conservo muitos dos meus brinquedos, que outrora
me proporcionaram momentos de muita alegria e satisfação, apossando-se de mim,
um não sei quê de nostalgia.
Eles contam as histórias, onde fui
protagonista.
Desde uma caixa de cartão cheia de lego.
Um exército com todos os soldados e equipamento bélico.
Uma coleção de animais que mais parecia um jardim zoológico,
tal é a quantidade e variedade de bicharada que saía na compra de uma
determinada marca de detergente para lavar roupa a mão.
Junto a tudo isto, uma coleção de miniaturas de carros, os
meus berlindes, o meu cubo mágico, um protótipo de uma locomotiva do início do
século e o meu ioiô.
Mas de todas estas recordações, há efetivamente, uma muito
especial, que se destaca e guardo com muito carinho, é o meu pião.
Ainda hoje, ocupa um lugar de privilégio nos objetos de
decoração da minha casa.
Foi o meu companheiro de muitas horas de prazer, disfrutadas
e partilhadas, com os meus amigos.
Sorrisos e tristezas.
Vitórias e derrotas.
Ele, ensinou-me a ver, que a vida é uma longa caminhada, calcorreando
caminhos tortuosos, de paladar acre-doce.
Lembro-me dos despiques ao jogo do pião.
O Rafael, era um verdadeiro ás.
O Daniel, logo lhe seguia.
Reconheço, que eu nunca tive grande jeito, até ao dia que o
Rafa, se dispôs a ser meu mestre no lançamento do pião.
Bom, aí subi muitos níveis e comecei a empenhar-me, e
rapidamente atingi o patamar do Rafa e do Dani.
Depois, bom depois era só juntar uns trocos dos recados que fazia,
para estar sempre na vanguarda dos modelos de piões que o Sr. António tinha
para vender.
Tornei-me um bom cliente de piões, ponteiras e cordel a que
chamávamos faniqueira.
Era o meu jogo preferido.
Grandes emoções, grandes despiques, chegávamos a fazer,
campeonatos entre aldeias.
Eu, o Rafa e o Daniel, era-mos os ídolos e os mais fortes
candidatos a vitória.
O mais difícil de se digerir, eram os jogos entre nós, já
que se tornavam muito competitivos e intensos.
Como já sabia das dificuldades do Rafael, assumir as
derrotas, tentava sempre não me expressar efusivamente, quando ganhava para não
espicaçar a sua fúria.
A nossa aldeia detinha os expoentes do jogo do pião, com os
mais novos, e o da malha com os mais velhos.
Era-mos, imbuídos de um espirito e raça ganhadora.
Nós, fazíamos de claque dos mais velhos, na malha e eles, retribuíam
em relação aos nossos campeonatos do pião.
Recordo uma dessas competições, entre aldeias, de um rapaz
que nós bem conhecíamos, de outros torneios e da escola, era inegavelmente um
bom jogador, viu o Rafa, desferir um lançamento feroz e certeiro, que
simplesmente, abriu o pião do Rui ao meio.
Foi um momento de gáudio que suscitou um grande aplauso, de
todos que estavam a presenciar.
Era o consumar da nossa vitória, já que a equipa dele, não
tinha mais nenhum pião de reserva, ficando com um jogador a menos.
Mas algo me chamou a atenção, fazendo desvanecer a minha
alegria.
Quando olhei para o Rui, vi os olhos rasos de lágrimas.
Todos riam dele.
Tive uma atitude, que deixou todos da minha equipa incrédulos,
e revoltados.
Meti a mão ao bolço e tirei o meu pião suplente.
Toma Rui, vamos continuar o jogo.
O Rafael soltou o desabafo.
Diogo? O que estás a fazer?
Deves estar a brincar connosco, só pode.
Senti que tinha todos contra mim, até o meu Irmão Rodrigo,
estava a ser-lhe difícil digerir aquele meu gesto.
Só o André, me apoiou.
O rui, agradeceu-me e lá continuamos o jogo.
Foi uma verdadeira hecatombe.
O Rui, rapidamente imergiu, e logo se tornou num sério
candidato a vitória.
Foi então que o Rafa, indignado repetia.
Andamos uns a jogar para os outros!
Assim não dá!
Já podia ter isto ganho.
Mais adverso se tornou o ambiente para o meu lado, já que o
Rui ganhou.
O Daniel, insurgia-se contra mim, dizendo.
Parabéns Diogo, foste um herói.
Perdemos por tua culpa.
O André tomou a minha defesa bem como o Rodrigo.
Vamos ver uma coisa, eu até poço ter alguma dificuldade em
entender o que o Diogo fez.
Mas daí culpá-lo da derrota e expressar dessa forma o que
estamos a sentir, é injusto.
Eu estava consciente do meu ato.
Magoava-me mais, era a frieza e a incompreensão, da parte de
alguns dos meus amigos.
O Rui, entregou-me o pião e agradeceu-me, dizendo.
O que vocês estão a fazer ao Diogo é muito mau.
Nem sei que raio de amigos vocês são.
Ao júri, quero desde já dizer, que esta minha vitória, é
para atribuir ao Diogo.
Não é que a equipa dele mereça, pela atitude que tomou.
Mas pelo gesto, que teve para comigo, já que a minha continuidade
em jogo deveu-se graças à boa vontade, ao emprestar-me o pião suplente dele.
Quero que esta vitória seja toda do Diogo.
Fico tão feliz como se fosse minha.
Mais uma vez deste uma grande lição a todos nós.
Demos um abraço fraterno, carregado de emoção.
Se queres mesmo saber Diogo, esta atitude vinda de ti, não
me surpreende, já que pautas a tua conduta, por uma postura irrepreensível.
Pensei, que a tua equipa, formada pelos teus amigos, te
conhecessem melhor.
Terão que rever, o verdadeiro significado de amizade.
Mantive-me em silêncio, deixei que o Rui, desabafasse, a sua
revolta, perante a injustiça que presenciava.
Ele, era um dos meus bons amigos.
Ali no jogo, pertencentes a aldeias diferentes, era-mos adversários.
Mas para mim, imperava sempre o lado humano.
Eu sei que o Rafael, tinha feito uma grande jogada, mas as
lagrimas do Rui, iriam para sempre manchar a nossa vitória.
Obrigado Rui, fiz tudo isto porque quis, e em circunstância
alguma estava a espera desta tua atitude.
Mas obrigado, soubeste retribuir da maneira mais nobre.
Não podia ser de outra forma Diogo.
Ficamos isolados dos nossos grupos.
Já que a equipa do Rui acabou por não gostar que ele me
atribuísse a sua vitória.
Mas acima de tudo ficamos de consciência tranquila, e
aprendemos e demos, mais uma boa e bonita lição.
Obrigado Rui.
Eu é que te agradeço Diogo, por seres meu amigo e por seres
assim.
De regresso a casa, o ambiente estava gelado.
O grupo estava dividido.
O Rafael e o Daniel, caminhavam mais a frente e o silêncio
era ensurdecedor.
Eu vi que o Rafa e o Dani, foram aos poucos retraindo o paço
para que nós os pudéssemos alcançar.
Agora, já todos juntos e chegados ao largo da aldeia, ponto
para cada um seguir para sua casa, lá nos despedimos.
Eu carregava um semblante de desilusão.
Sentia-me magoado com a postura do Rafa e do Dani.
Chau, fiquem bem até amanhã.
Só vos quero comunicar uma coisa, no caminho tomei uma
decisão.
Não contem mais comigo para qualquer tipo de jogos.
Para mim acabou hoje.
Quanto a nossa amizade, Rafael e Daniel, é algo que ainda
vou refletir.
A vossa atitude, deixou-me bastante desapontado, e apreensivo.
Mais uma coisa, aprendam o significado de fair play, vai vos
ser muito útil pela vida fora, e engrandece-nos.
Eu sou assim.
Desta forma vou pautar a minha vida.
Quem quiser ser meu amigo de verdade, terá que me aceitar
tal como sou.
Egoísmo não!
Egoísmo não!
Diogo, tem calma, escuta uma coisa.
Achas que se tivesse sido o Rui, a rachar o pião de algum de
nós, tinha tomado a mesma atitude?
Não, claro que não Rafael.
Mas sabes porquê?
Ele não tem mais nenhum pião.
Rafael, as atitudes ficam com quem as pratica.
O Rui, soube estar, e portar-se à altura de um campeão.
Comigo não contem mais.
Competir e ganhar sim, mas repito, com fair play!
Diogo_Mar
Bom dia Diogo_Mar
ResponderEliminarGostei do teu texto....Maravilhoso!
Beijos
Coisas de Uma Vida 172
nossas lembranças são o paraíso. parabéns, cara.
ResponderEliminarabraço afetuoso!
dentrodabolh.blogspot.com