Guardo bem presentes, os dias que passava em casa da minha
Avó.
Um palco, recheado de histórias de uma vida, da qual eu era
um herdeiro direto.
Debruçada sobre a aldeia, gozava de uma paisagem sublime.
Gostava de ao acordar, acercar-me da janela, abrir as
portadas de madeira, preguiçar e soltar o bocejo matinal, esfregar os olhos
ofuscados pelo sol, e contemplar todo aquele quadro de uma blesa inigualável.
A aldeia parecia carregar-me aos ombros.
Via todo o casario, e o caminho em terra batida que o serpenteava.
Lá ia o carro de bois, com o seu imponente jugo, era audível o som
característico que imitia.
Guiado por um homem, de rosto castigado pelo tempo, vestia
uma samarra, levando na cabeça um chapéu de palha, com largas abas, munido do
aguilhão que usava para reprender o gado.
O vento trazia até mim, a sua voz de comando para os
animais.
Mais ao fundo o campanário, com o relógio que de quinze, em
quinze minutos quebrava o silêncio daquelas paragens, com um som roufenho.
A perder de vista o rio, onde estava a velha barcaça de
transportar os animais para a outra margem.
O fumo libertado pelas chaminés, fazia um bailado com o
vento, seria ele o seu par?
As minhas narinas eram inundadas pelo cheiro a café e a
torradas.
Mas o maior encanto era o perfume que a lenha libertava.
Bom, o próximo passo, era fazer a oração, ao anjo da guarda,
esculpido na madeira da caixa de música, onde tinha um cordel que puxava para escutar
a melodia que embalava o meu sono, e me projetava até as estrelas.
Ela estava sobre a cabeceira da minha cama de ferro trabalhado,
onde me joelhava de mãos unidas dizendo:
(meu menino Jesus, dá-me a tua mão, que eu sou pequenino,
poço cair ao chão)
(Anjo da guarda, minha companhia, guardai a minha alma de
noite e de dia).
Pós este ritual bi diário, que a minha Avó me havia
ensinado, afagava com um olhar, os móveis em castanho, com tampos em mármore.
Ao centro da cómuda,estava pousada uma imagem de nossa
senhora de Fátima, e o retrato do meu Avô.
A um dos cantos, um lavatório em esmalte, agora tornado
adorno.
Uma bacia, que encaixava numa estrutura de ferro, sob ela estava
um jarro e um balde.
A minha Avó, cuidava do meu quarto, com o amor e carinho,
que fazia questão de me presentear.
Assolhava as roupas da minha cama, deixando-as com um
cheirinho a sol, eliminando dessa forma os vestígios do odor a naftalina.
Nunca esquecendo de colocar a minha mantinha dobrada em
quatro, pousada na minha travesseira bordada pelas suas mãos cheias de mundo.
Do mobiliário, aos adornos, tudo transpirava capítulos de um
álbum do tempo, que agora pareciam estar expostos numa galeria de arte antiga.
O cheiro a cera, que imanava o soalho dava um toque de
frescura, a uma casa onde eu me sentia feliz.
O tique taque do relógio de parede, marcava a cadência de
uma espiral de momentos calibrados pela poeira dos anos.
O fio do tempo, era como se fosse uma teia tricotada, por sacrifícios,
bordados de lágrimas suor e sorrisos, a que as suas rugas, e o seu xaile davam
uma textura imensamente doce.
Ali os anos estavam encaixilhados num quadro de memórias, aos
quais, o tempo e o relógio eram indiferentes.
Ao canto da sala, morava um cadeirão de madeira imponente,
todo torneado e lavrado, que me dizia, que estavam ali guardadas leituras de
obras ancestrais, de páginas já amareladas, e com cheiro a papel velho que os
anos castigaram.
Era onde o meu Avô, gostava de repousar o corpo e os olhos,
sobre uma vida que a velha estante encerrava.
Agora que ele tinha partido, levando com ele uma larga cota
da alegria da minha Avó.
Ela, gostava de me olhar sentado no velho cadeirão, eu reparava,
que no seu olhar bem explícito, cintilava, um misto de nostalgia e de orgulho,
por eu estar ali.
Certamente, lhe trazia a lembrança o meu Avô.
Eu carregava aos ombros, tão pesada, mas tão enriquecedora
herança.
Ao centro, uma longa mesa, que se enche pelo natal, com uma
toalha toda feita em renda, pelas mãos mágicas e noites mal dormidas, daquela
mulher de beleza única, um autêntico baluarte da nossa estrutura familiar.
A lareira, transmitia um calor melancólico, mas muito
aconchegante.
Sentados num velho escano, íamos debruando as palavras em
torno de peripécias vividas em épocas bem distintas.
Ao lume, lá estava sempre o pote,
onde era confecionada, a sopa mais maravilhosa, que eu havia comido.
Pousados num guarda-loiça, uma verdadeira coleção de
compotas, que a minha Avó, tão bem sabia dar corpo, e que me presenteava nas
minhas idas a sua casa.
Aquele olhar carregado, de ternura e cheio de ânsia, por
fazer mais, e ainda mais, testemunhavam o quanto ela sabia ser uma boa
anfitriã.
O silêncio era rompido pelo crepitar da lenha, a contra
passo das batidas do velho relógio, que teimosamente persistia em evidenciar, o
ritmo de uma casa, cúmplice da calmaria.
Os retratos de família, juntavam-se a uma imensa coleção de
utensílios, caídos em desuso.
Uma máquina de cozinhar e um candeeiro a petróleo, uma
candeia, de azeite, a juntar a vários adornos de porcelana e os candelabros
rendilhados, emprestavam-lhe um ambiente muito próprio.
Era um verdadeiro álbum infindável de conhecimento, e
experiências, que me ajudavam a crescer, e valorizar a vida, que transpirava
história por todos os poros.
Na hora da despedida, havia sempre um ritual que eu a
acostumei.
Junto a porta de saída, num bengaleiro, estavam a bengala e
o chapéu do meu Avô.
Eu colocava-o na cabeça, e pegava naquela que foi a sua
segunda companheira.
Arrancava-lhe um belo sorriso, envolto em nostalgia, a um
rosto cheio de candura.
Fica-te bem Diogo!
Gracejava a minha Avó.
Ela era um monumento vivo, de experiencias de vida que eu herdara.
A riqueza de uma família, reside no testemunho que atravessa
gerações.
Como de um caminho se tratasse, que serpenteava as nossas
vidas, numa escola onde as lições ficam sempre incompletas!
Ou não fosse a vida, uma escola que todos frequentamos,
onde o mestre é o tempo!
DIOGO_MAR
Mais uma bela história que o meu amigo nos quis agraciar com uma linda personagem da AVÓ, Papel admirável que têm as avós !!! ( é que eu já pertenço a essa classe) de quando vou deitar os netitos contando as nossas histórias e ensiná-los a dizer : Jesus amigo fica comigo . Obrigada Diogo , é lindo ! Gostei de ler !
ResponderEliminarEstive a ler alguns textos. Impossível comentar tudo por falta de tempo.
ResponderEliminarParei neste, não por ser o mais rico literariamente, mas porque é da Memória...
E eu também ando a escrever sobre a minha avó paterna que partiu tinha eu 16 anos. Mas marcou-me o imaginário, povoando-o!
:)