Corpo franzino, moreno, olhos pretos, cabelo grisalho de
olhar e explícito, ele era o um campeão, a jogar a bola.
A garra e entrega que evidenciava a jogar, faziam dele um ídolo,
da nossa turma, e da escola em campeonatos interescolares.
O Daniel, era idolatrado por todos nós.
Vai Daniel, marca!
Golo!!!
O seu nome, ecoava pelos campos onde a nossa turma, e escola ia jogar.
Ele, não era um aluno brilhante, longe disso, mostrava
grande falta de concentração, e uma enorme revolta.
Na sala de aulas ocupava sempre os últimos lugares.
Método simplista, de o marginalizar, ou exclui-lo, do resto
da turma, com o qual eu, não concordava.
Ainda lembro, a repreensão que levei da professora, por me
ter manifestado contra aquela atitude.
Eu era o seu melhor amigo.
Não esqueço o dia em que o Daniel, com voz trémula soltou o
desabafo, dizendo.
Pois, aqui eu não sirvo para nada, só quando jogamos à bola
é que se lembram de mim.
A isso chama-se hipocrisia.
Bem o compreendia, já que vivia-mos na mesma aldeia, ele fazia
parte do meu grupo de amigos, muitas vezes confidenciava-me, a tristeza que lhe
ia na alma.
O futebol, era o escape da sua raiva.
Fazia-se sempre acompanhar do boné, e a bola, debaixo do
braço, era a sua imagem de marca.
A vida do Daniel não era nada fácil.
Vivia com a Avó, uma senhora já de alguma idade, criando um foço
que descambava, num conflito de gerações.
As dificuldades económicas eram latentes.
Não fosse o sentido solidário que reinava na aldeia, a
alguns só lhes restava, a institucionalização.
Quadro esse, que o Daniel rejeitava de forma categórica.
Muitas vezes desabafava comigo dizendo.
Diogo, por vezes pergunto a mim mesmo, para quê que nasci.
Os meus Pais nem se lembram que existo.
Ia chutando a bola, contra o muro a compasso, matando as
pausas que se faziam na conversa.
Isso até que era verdade, o Pai do Daniel, há muito que
tinha imigrado para o Brasil, a Mãe, havia enveredado pelo caminho da
prostituição, vindo depois a juntar-se com um homem, do qual já tem um filho.
Recordo, uma tarde que estávamos a jogar berlindes, no pátio
da casa do Daniel, quando ela chegou.
Olá Filho!
Estás grande e bonito.
O Daniel manteve-se imóvel, ignorando a presença dela.
Não me dás um beijo?
Eu não costumo beijar estranhos.
Trago-te aqui um spectrum 48k e jogos.
Pensava ela estar a dar-lhe um grande presente, mas o Daniel
foi incisivo e lacónico.
Vens dar-me isto, para quê?
Visitas-me duas ou três vezes no ano, para me dares
presentes, mas ignoras o que eu mais preciso.
Sabes o que é?
Pois, pela tua cara, já vejo que não.
Vives com outro homem, de quem já tens um filho, e eu?
Sou o suplente?
É isso?
Estou para aqui esquecido e abandonado nesta aldeia com a
minha Avó, que tudo faz por mim, mas o que eu mais queria, era ter Pai, e Mãe!
Dele não sei nada, e de ti nada sei, nem quero saber.
Eu não quero prendas, quero sim, amor e carinho.
Quero ser um adolescente como os outros.
Vens-me trazer presentes, usados pelo teu outro filho?
O que para ele, já não serve, trazes para mim?
Eu não sou caixote de lixo.
Nem sou o outro!
Sei que infelizmente sem ter feito nada por isso, sou filho
de um Deus menor.
Tu alimentas esta injustiça, à 8 anos haver dois pesos e
duas medidas.
Ou tornei-me teu enteado?
Foi isso?
Faz-me um favor.
Esquece que eu existo.
Não te quero ver mais.
Não me procures.
Eu morri.
Vai-te embora, e leva o que trouxeste.
Se já não serve para ele, também não ade servir para mim.
Ou então, dá a uma instituição.
Colocou o braço sobre os meus ombros, e acrescentou.
Os meus amigos da aldeia, não se esquecem de mim, com eles,
sei que poço incondicionalmente contar.
Exemplo disso, é o Diogo, e a família dele.
Deixa-me em paz, e segue o teu caminho.
Senti-me confrangido perante tal situação.
Tem calma Daniel.
Diogo, tu és o meu melhor amigo, conheces-me como ninguém, e
sabes que sou frontal.
Mas Daniel, é a tua Mãe!
Avó, ser Mãe é estar presente, é dar amor e carinho.
Ao longo destes anos ela teve um só dia para estar comigo?
Diga lá, teve?
Acho que o único tempo que teve para mim foi para me dar à
luz.
Para me trazer a este mundo de sofrimento.
Desaparece.
Quando faço anos nem sempre te lembras da data.
Agora que estamos a chegar ao Natal, apareces com as sobras
do teu filho, sim porque esse é o teu filho.
Eu, sou aquele que estou para aqui, a quem tu nem um
telefonema fazes.
Nem te preocupas como vou na escola, nem se estou doente, ou
a passar fome.
Como queres que eu veja em ti uma Mãe?
Sabes, não sou hipócrita.
Prefiro as verdades, mesmo que elas magoem, que a mentira,
ou fingimento.
Alguma vez quiseste saber qual foi a minha primeira palavra
que escrevi?
Foi Mãe.
É o que não tenho.
Olhar para ti, ou para uma outra mulher, é a mesmíssima
coisa.
No teu olhar nunca vi ternura, e ânsia por mim.
Vejo sim, frieza, e distância.
Acho que perdeste a noção do tempo.
O Daniel, cresceu, já tenho 12 anos.
Chegas junto de mim, e perguntas.
Está tudo bem filho?
Achas, que está?
Mas eu, Daniel.
Não, não quero que te desculpes, e muito menos que te
justifiques.
Mas filho, ouve-me!
Não me venhas com mais falsas promessas.
Eu não quero, nem preciso das tuas esmolas, nem dos
brinquedos que o teu outro filho já não usa.
Não me compram, com bens materiais.
Sabes, a minha vida é uma bola, só lamento, que seja uma
bola quadrada!
Mas ainda hei-de, marcar muitos golos, na baliza da vida!
Irei festejar as vitórias, e aprender com as derrotas.
Mas tudo farei, para ser sempre justo!
DIOGO_MAR
fiquei a pensar no teu texto, que gostei muito
ResponderEliminar:)
Tenho que voltar para ler com calma :)
ResponderEliminarr: Nem sempre é fácil sairmos da nossa zona de conforto, mas é quando nos permitimos a isso, mesmo com todos esses riscos, que aproveitamos a vida da melhor maneira.
Estou inteiramente de acordo!
A prova provada de que não podemos escolher pai e mãe, mas podemos escolher os amigos.
ResponderEliminarE ninguém por vezes imagina como a falta de afecto de um pai e de uma mãe nos primeiros anos de vida são tão determinantemente importantes na vida de um indivíduo.
E depois não entendem porque os jovens são revoltados.
Um belo testemunho, Diogo!
xx
Tocou-me este relato...
ResponderEliminarFui professora, professora tutora, elemento da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens, presidente do órgão de gestão de uma escola com cerca de 700 alunos...Podes imaginar quantas vidas sofridas acompanhei...
Bjo, Diogo
Amigos são a família que escolhemos.
ResponderEliminarVidas... todas dão voltas, devem ser redondas. Mas as pessoas? Essas quadradas...
Abraço.
Amigos há muitos familia só uma
ResponderEliminarKis=)
Adorei