Aquela gélida noite de Janeiro, tinha uma cara carrancuda, o
céu vestia-se de um breu carregado.
O vento, feria-me os ouvidos, pela forma incessante como uivava,
no pequeno postigo junto da lareira.
Por sobre a mesa um jarro com vinho e dois copos, e o cesto
do pão.
Eram as marcas que restavam do jantar.
Ao canto, um cadeirão, com a madeira já carcomida, pela erosão
dos anos.
Sobre o espaldar, uma manta, que servia de aconchego, à
minha permanência, Junto da lareira, onde repousava no escano, palco de
inspiração, à leitura de Neruda, brindado com o néctar dos deuses, numa cúmplice
aliança feita com Baco.
Ali estava eu, entregue e rendido ao encanto daquele
momento, no calor, e na luminosidade do lume, que me aquecia o corpo inerte.
Só à mestria das páginas que devorava, levava-me a viajar, perdendo-me
nos recônditos cantos da noite.
O vento, com um cantar sinistro, lançava gritos lancinantes
de fúria, encarnando a voz do demo.
Ia tentando exorcizar, a minha irritabilidade, perante
aquele quadro em volto num manto negro, que esmagava o meu peito.
Só o tique taque do velho relógio de parede, e o crepitar da
lenha numa fogueira já a empalidecer, marcavam a cadência do tempo.
Gostava de viver aquela intimidade enigmática, desafiadora e
apaixonante.
De súbito, um piar estridente ecoou, despertando em mim a
curiosidade.
Acerquei-me da janela, e após alguns minutos de espera
vislumbrei uma coruja que seria mensageira da noite, que fazia voou picado para
o seu ninho, na copa de um imponente carvalho secular, na encosta sobranceira à
minha casa.
As árvores vergavam-se às ordens do vento, como se de uma
vénia se tratasse, ao vergastá-las de maneira severa e impiedosa.
Ao longe, vi uma luz que rasgava a escuridão vinda da janela
do casario, no povoado.
Alguém que tal como eu, estaria a fazer serão, ou deixaria a
luz acesa, para afugentar as almas penadas, que diziam divagar em senários como
aquele.
O facho de luz, desventrava o manto de luto, que aquela
gélida e misteriosa noite ocultava.
Fechei as portadas, e tranquei a porta.
O lume já se despedia, emprestando um ambiente sorumbático,
à cozinha.
No velho relógio caíam as duas horas.
Fumei um cigarro, bebi o último trago de vinho, e
encaminhei-me para o quarto.
Nesse percurso, fui assaltado por um arrepio, ao deparar-me
com os olhos do Farruco, que mais pareciam duas lanternas.
Era um belo e enorme gatarrão.
Ali imóvel, Esperava pacientemente, pelo meu recolher aos aposentos.
Era um ritual que ele fazia questão de me oferecer, na sua
gratidão felina.
Quando me via pegar num livro, de imediato ocupava um lugar
bem perto de mim, para eu lhe ler a história.
Por vezes dava com ele, a colocar uma das patas dianteiras,
por sobre a página, parecia crer tatear as letras impressas no papel.
O Farruco, é um bom amigo e confidente.
Já tinha ocupado o seu lugar, na poltrona ao canto do
quarto, onde pernoita.
Eu reconfortado no meu leito, moldei o meu corpo, aquela
figura angelical com quem dividia a vida, emparcelada no mapa de um amor,
dedicado e de corpo inteiro.
Dormia profundamente.
O calor bem como o cheiro da sua pele, era o melhor bálsamo
para esquecer aquela noite tenebrosa.
Afaguei-lhe os cabelos, sussurrei-lhe uma boa noite, e selei
aquele momento com um demorado beijo, nos seus lábios da mais pura seda
oriental.
Mergulhamos no sono dos justos, esperando pelo raiar de uma
nova aurora.
Até amanhã amor.
DIOGO_MAR
Um belíssimo final de dia, pleno de cumplicidades e partilha, com tudo o que nos rodeia, e dá prazer...
ResponderEliminarExcelente texto, Diogo! Descritivo, e muitíssimo bem construído!...
Abraço!
Ana