Foi numa daquelas tardes pardacentas de verdadeiro ócio, que despoletou em mim a vontade de viajar até ao velho sotam.
Tinha espreitado pela janela do meu quarto, e constatei do
frio que estava lá fora, de mão dada com um céu toldado de nuvens a prometer
chuva a qualquer momento.
Vesti um fato de treino, de resto é a indumentária que mais
gosto de trazer por casa.
Corri a tampa do alçapão de acesso ao sótão, era como se
estivesse a abrir a janela do tempo, onde estão guardados anos de múltiplas
vivências.
Mal esta deslisou, as minhas narinas foram inundadas por pó,
e um cheiro marcante a mofo.
Depois de uma série de espilros, lá continuei a minha
cruzada de remover pó e algumas teias de aranha, que pareciam ter feito uma
barreira protetora as minhas recordações.
Ali estava ao canto o meu velho cavalinho de madeira, a quem
fiz um poema publicado aqui no blog.
Abria cada caixa como se fosse uma prenda acabada de
receber.
Era uma verdadeira incógnita o que lá estaria dentro.
Até o frenesim de as abrir me faziam voltar aos tempos de
criança, faminta de saciar a minha curiosidade.
A primeira estava cheia de carros de coleção, alguns já
oxidados pelo tempo.
Eles foram os meus campeões em corridas que fazia com os
meus amigos.
O meu preferido era um carro vermelho que de tanto uso estava
gasto a cor já esbatida.
Contemplei-o durante alguns minutos, rebobinando o filme da
minha memória.
Chi!
Agora, era tão pequeno na minha mão crescida, cheia de
mundo.
Filo deslisar no chão do sótão.
Estava lento, tinha perdido o fulgor de outros tempos!
Tirei-os para fora da caixa, um a um, como se folheasse um livro
de episódios, de memórias de anos longincos, mas que eu gostava de reviver.
Deixei-me embalar pelo berço do tempo, das horas morrentes
de saudade.
Não tinha reparado que bem lá no fundo estava uma cobra e
uma tarântula de borracha que faziam as minhas delícias para assustar as
pessoas pelo carnaval.
Ups!
Desta vez quem se assustou fui eu!
Logo eu, que detesto répteis.
Esfreguei os braços, já que tinha ficado com pele de galinha
e recoloquei-os onde estavam.
Ainda recordo, o grande susto, que preguei a Miquinhas
padeira, quando lhe pendurei, no puxador da porta a cobra.
Brincadeira, que me custou uma bofetada da minha mãe, e um
castigo, já que a senhora, sentiu-se mal, chegando mesmo a desmaiar.
Abri a segunda caixa.
Estava cheia de animais, que vinham como brinde, no interior
de uma marca de detergente em pó, para lavar roupa.
Bom, tanta bicharada que dava certamente, para fazer um jardim
zoológico completo.
Libertei os todos.
Sentado no chão, agora estava rodeado por carros e animais.
Reparei nos cavalos que punha ao serviço dos guardas do
castelo, que fazia em lego.
Fui para a terceira caixa, era a maior de todas, tinha vindo
lá dentro a máquina de lavar roupa.
Abri as tampas, carregadas de pó, la vieram mais meia dúzia
de espilros.
Atchim!
Acho que por este andar vou sair daqui sem nariz.
Soltei uma gargalhada, ao deparar-me com a minha primeira
mochila, tinha estampado o Marco.
Personagem de uma boa série, que passava na televisão.
Contempleia, assim permaneci durante alguns instantes.
Tinha transportado nela muito daquilo que hoje sei.
Foi o primeiro degrau de uma longa escadaria, de
aprendizagem e conhecimento.
Fui inundado, por uma nostalgia revestida de um misto de
alegria e saudade.
Foi como se o relógio parasse.
Vasculhei toda a caixa, numa verdadeira ânsia de ver as
histórias, que ali estavam guardadas.
Fisgas, bolas, pião, cubo mágico, ioiô, berlindes, lego,
carros telecomandados e uma velha locomotiva.
Seria ela a máquina do tempo, de uma viagem que eu estava a
ser o maquinista?
Mas esta panóplia de recordações não se ficava por aqui.
Os meus jogos do micado, o sabichão, o monopólio e a batalha
naval.
Eis que surgem as barbatanas os óculos e as boias de levar
para a praia.
Dentro da minha velha e gasta mochila, lá encontrei as
minhas cadernetas de cromos que folheei lentamente como se estivesse a venerar os
meus heróis, de tempos idos.
De repente cai um pequeno papel, olhei, fiquei pregado.
Eu não acredito!
Era um dos bilhetes que trocava com a Rita, a minha primeira
namorada.
Ó saudade!
No meu estojo, ainda morava um lápis, aguça a borracha e os
cromos repetidos, bem como o cartão de estudante, com uma fotografia dos meus
10 anos.
Sem que eu desse por isso, estava uma tarde muito bem passada.
Dei início a tarefa, de encaixotar cuidadosamente, todos os
capítulos, que narram uma história bem presente.
Tinha dado corpo a uma cúmplice aliança, com tempos idos, que
fazem parte do meu eu, onde gosto de me perder!
DIOGO_MAR
É tão bom viajar desta forma e recordar determinados momentos que nos fizeram felizes
ResponderEliminargeralmente quando nos perdemos é que nos achamos.
ResponderEliminarmuito legal, adorei.