domingo, 20 de julho de 2014

UMA MOCHILA CHAMADA FELICIDADE_HISTÓRIA_1





PARA O DIA DA AMIZADE


Corpo franzino, pele bastante clara, olhos de um azul vivo, cabelo cor avelã.

É o retrato físico do personagem desta História.

Uma criança, de carater e personalidade vincada, determinado nas suas tomadas de decisão.

De espirito solidário, dava aos outros, o que para si precisava.

Um verdadeiro altruísta.

Mas o Rodrigo, ostentava uma grande revolta pelo degradante ambiente familiar, com o qual coabitava.

Uma família desarticulada, com graves problemas de alcoolismo.

Na escola, transbordava toda a sua raiva de uma vida vestida de madrasta.

Era considerado um aluno altamente problemático, e conflituoso.

São os rótulos fáceis de aplicar em avaliações e julgamentos feitos em gabinete, ignorando a verdadeira origem do problema.

Ele tentava fintar a amargura, que lhe corroía a alma, com um sorriso terno e doce, que irradiava do seu rosto, onde 3 sardas se evidenciavam.

Criança, irreverente e traquina, eram atributos perfeitamente normais para a sua tenra idade.

Estava pelos 7 anos, um curto caminho, mas repleto de sofrimento.

O fator proximidade, fazia de mim, uma testemunha da sua execrável realidade familiar.

Dessa forma, eu era das poucas pessoas, por quem ele nutria simpatia e confiança, laços que o tempo transformou em amizade.

Era na minha casa, que muitas vezes lhe saciava a fome, e lhe dispensava a atenção e o respeito, a que uma criança tem direito.

Foi num fim de tarde pardacento, do mês de novembro, que sentados nos degraus da escada de acesso ao alpendre de minha casa, desfiamos esta conversa.

 O Rodrigo, implorava, através de um olhar triste e distante, que lhe dessem a oportunidade de ser feliz.

De sentir o calor de um carinho, e que acreditassem nele.

Recordo algumas questões que me colocava.

 

O que é preciso fazer para ser feliz?

Os pobres também podem ser felizes?

A que idade chega a felicidade?

 

Estava espelhada a vontade sôfrega, de encontrar algo que lhe parecia inatingível, e que os seus 7 anos de idade estavam famintos.

A felicidade.

O azul dos seus olhos, tornava-se ainda mais explícito.

Fitando-me, perguntou.

 

Estou-te a aborrecer com as minhas perguntas, não é?

 

Não, claro que não Rodrigo.

Eu não podia ser mais um, a defraudá-lo, nas suas espectativas.

A felicidade, é como uma semente, que lançamos à terra, para germinar, crescer, e colher o fruto.

 

Então a nossa amizade também é uma dessas sementes?

 

Sim, claro que sim.

 

Então é por isso que quando estou junto de ti, me sinto feliz?

 

Sim, é exatamente isso.

A felicidade tens que ser tu a construi-la, e a procura-la nas coisas boas que a vida nos oferece.

 

Pois, mas eu sou mau!

Na escola até já me disseram que devo ser filho do diabo.

 

Rodrigo, todas as pessoas nascem boas.

Repara naquele imponente sobreiro!

Do seu majestoso tronco nascem vários ramos, que se multiplicam.

 

Sim e?

 

Imagina que é a estrada principal da vida.

Depois temos os atalhos, cabe-nos saber tomar a direção certa.

 

É por isso que as pessoas dizem, quem se mete em atalhos, mete-se em trabalhos?

 

Nem mais, é isso mesmo.

Devemos optar sempre pelo caminho da verdade, justiça, e humildade.

 

Ajudas-me a encontrá-lo?

 

Sim, é o meu dever, como teu amigo que sou.

O tempo foi passando, e o Rodrigo procurava em mim o alicerce que familiarmente não tinha.

Lembro um desabafo que de forma espontânea fez.

 

Tu é que podias ser o meu Pai!

Nós devia-nos poder escolher os nossos Pais.

Mas não pode ser pois não?

 

Não Rodrigo.

Mas podemos fazer bons amigos, que nos podem ajudar a enfrentar os problemas e desafios que a vida nos impõe.

 

Como um jogo de futebol, que umas vezes ganhamos, outras perdemos?

 

Exatamente.

Sabes Rodrigo, é tão glorioso saber ganhar, como é ainda mais saber perder.

Um verdadeiro campeão vê-se na derrota.

 

Mas então para sermos felizes, temos que sofrer?

 

Inevitavelmente sim.

Mas acredita, que o sabor da vitória quando chega sobre algo de muito difícil, dá-nos mais força, mais alento para o futuro.

 

Olha, sabes uma coisa?

 

Diz.

 

Eu vou fazer 8 anos na próxima quinta-feira.

 

Achas que eu me ia esquecer disso?

Claro que não Rodrigo.

Que presente gostavas de receber?

 

Uma mochila carregada de felicidade.

 

Ok, vamos ver o que se arranja.

 

No outro dia que fui a vila, vi uma muito fixe, era da nike.

Mas o meu Pai disse-me que se eu lhe falasse em comprar um garrafão de vinho, é que falava bem, ameaçando-me com um estalo.

Eu quero crescer rapidamente para sair de casa, levo a minha mãe comigo.

Se não fosse a tua amizade, já nem sei o que tinha feito.

 

Havia dias em que o Rodrigo, recorria a mim, para jantar e até mesmo dormir, fugindo do quadro de terror que vivia em casa.

Para dormir mais aconchegado, enrolava uma mantinha, que colocava sobre a cama ao seu lado.

Habituou-se de tal forma a este ritual, que ainda hoje o preserva.

 

Sabes, por vezes vou até ao rio, e choro sozinho, por não ser igual aos outros meninos da minha escola.

Eles gozam-me pelas tristes figuras que o meu Pai faz quando está bêbado.

Vamos ter uma festa de natal, eu vou participar, numa peça de teatro, mas já sei que não vou ter os meus Pais a ver-me.

 

Eu estarei presente Rodrigo.

 

Tu vais?

 

Claro que sim, ia lá eu perder uma peça de teatro onde o meu amigo vai participar.

Estarei lá, e na fila da frente.

Vi lágrimas nos seus olhitos, desgastados pelo sofrimento.

 

Poço d’arte um abraço forte?

 

Então porque não o havias de poder fazer!

 

Gostava de combinar contigo um segredo, mas tenho medo que fiques zangado.

 

Diz lá.

 

Quando estiver contigo poço chamar-te de Pai?

 

Se isso contribuir para a tua felicidade, claro que podes.

Eu irei continuar a ter a mesma postura que tenho tido até aqui.

Ser teu amigo.

Levantou-se num ápice olhou-me nos olhos abriu os braços como se fosse abraçar o mundo, e selou ali a nossa já grande mas agora reforçada amizade.

Porque entre mim e ele, agora eramos Pai e Filho.

No dia do seu aniversário, presenteei-o com a tão sonhada e desejada mochila.

Foi dos momentos mais emocionantes que vivi.

Aquela criança, a completar 8 anos, abraçou-me de maneira tão efusiva, agradecendo-me, tudo isto alagado num mar de lágrimas de felicidade, ao qual eu não consegui ficar indiferente.

Depois, de digerir-mos aquele momento, arranquei-lhe um sorriso supra encantador, quando lhe disse.

Rodrigo, afinal já tens a mochila, que tanto querias, e ela veio cheia de felicidade, como tinhas pedido!

Ainda com a voz trémula respondeu.

 

Obrigado Pai, por realizares este meu sonho.

Afinal ela existe!

Tudo vou fazer, para te retribuir, tornando-me um bom menino, e bom aluno.

Acreditas em mim, não acreditas?

 

Sim, és o meu campeão!

 

Vais-te orgulhar muito de mim.

 

Assim é que se fala!

Como vez, a vida não é feita só de tristezas!

Quero-te agradecer este dia Rodrigo, já que a tua felicidade é recíproca.

Ofereceste-me um dia que guardarei para sempre no álbum da minha memória.

Afinal é tão fácil e simples fazer uma criança feliz!

OBRIGADO RODRIGO.

 

ADORO-TE PAI!

 

 

 

DIOGO_MAR

quinta-feira, 10 de julho de 2014

A MINHA SOPA DE LETRAS



Confesso, que ao contrário de muitas crianças, eu sempre gostei de sopa.
Os meus Pais, sempre me incutiram a importância que ela representa para a nossa alimentação.
Daí, nunca ter mostrado qualquer relutância.
Desde a sopa confecionada pela minha Avó, até a da minha Mãe, adquiri esse bom hábito alimentar.
Passada, ou por passar, eu é que nunca passava sem uma boa sopa.
Mas havia, uma que particularmente me chamava a atenção.
A sopa de letras.
Isto porque tentava retê-las no fundo do prato, para no fim ver que palavras conseguia obter.
Aquele momento envolto numa perfeita incógnita aguçava-me a curiosidade, e porque não dizer o apetite.
Qual seria o desfeche?
Sugeria à minha Mãe, que me servisse a sopa no fim, para que dessa forma não ficassem à espera do acasalamento das letras, para construir as palavras que elas me proporcionassem.
Na minha família já todos conheciam a paixão que eu nutria pela sopa de letras.
Ela foi rebatizada, com o cognome, sopa do Diogo!
Os meus Pais dizem que a primeira palavra que construí, foi o meu nome.
Por várias vezes tentei escrever o nome dos meus Pais, mas com trinta diabos, faltava-me sempre a letra R!
Porque haviam eles de ter em comum o R no nome!
Será que que no empacotamento não introduziam de forma igualitária todas as letras?
Eu já não tinha idade para dizer, Pedo e Cataina!
Imaginem como ficaria a lengalenga, do ato que oeu a olha da gaafa do ei da ússia!
Ainda hoje riu, ao comer sopa de letras.
Traz-me a memória esses tempos idos, de uma imaginação entregue as sortes de um prato de sopa.
Recordo um episódio, que fez o meu Pai soltar uma sonora gargalhada.
Eu naquele dia tinha conseguido escrever, o benfica e campiao!
Claro está que lhe faltavam os acentos.
Ele que era Portista, em tom provocatório apressou-se a juntar as letras, e responder-me.
Isso e so de vez enquando!
Claro está que eu rapidamente comi uma boa colher de letras para o não deixar escrever mais.
Diogo, grande batoteiro!
Muitas vezes o meu Pai, ficava a ajudar-me a catar as letras, para simplificar o desafio a minha paciência.
Enquanto isso, a minha Mãe, arrumava a cozinha, e gracejava dizendo:
Olha que dois!
Ela já conhecia a grande paixão que eu e o meu Pai sempre evidenciamos por jogos de paciência.
Não era por acaso que tinha o meu quarto quase todo forrado de puzzles, onde eu investia uma boa parte do meu tempo libre.
Olhando agora para traz, até que encontro um paralelismo entre a sopa de letras  e o puzzle
Ambos aguçavam a arte e engenho, para algo que temos de procurar de forma incessante na sopa da vida, onde nos vão sempre faltar letras!



DIOGO_MAR