domingo, 30 de novembro de 2014

ESTRADA ANTIGA





Trago-vos mais um excelente post deste jovem promissor e meu amigo, aquém abri uma janela de oportunidade.

Atentem!

 

 

Há quem diga, que quando ouvimos o vento a passar na Estrada Antiga, e com ele aquele marulhar tao longe do mar, que estamos a ouvir o fôlego dos homens e dos cavalos que por la passaram, misturados com o soluçar abafado das crianças que com eles viajavam, para onde iam, ninguém sabia, mas viam a caravana passar uma e outra vez, todos os anos, numa sexta-feira 13.

E todos os anos voltavam pela mesma estrada, homens envergando a cruz do Senhor no peito, transpirando alívio de dever cumprido.

E o vento trazia-lhes memórias de quando eram jovens e tinham percorrido aquela Estrada, que estava mais Antiga, homens que findos os seus deveres para com o mundo, retornavam agora a casa.

Um dia seriam os seus filhos, sempre foi assim e sempre o será.

E a chuva caía e com ela as lágrimas dos homens que voltavam, que foram crianças, que tinham partido...

Se passares pela Estrada Antiga, presta atenção::

Entre o som de gotas de chuva, ouvirás as lágrimas dos homens e das crianças que por ali passaram e, no meio dos trovões, distinguirás o trote dos cavalos que os transportavam.

Mas inspira fundo, e sentirás o ar salgado.

Salgado do choro dos que por lá passaram!

 

Cláudio Macieira

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

UMA BOLA QUADRADA HISTÓRIA_7



Corpo franzino, moreno, olhos pretos, cabelo grisalho de olhar e explícito, ele era o um campeão, a jogar a bola.

A garra e entrega que evidenciava a jogar, faziam dele um ídolo, da nossa turma, e da escola em campeonatos interescolares.

O Daniel, era idolatrado por todos nós.



Vai Daniel, marca!

Golo!!!



O seu nome, ecoava pelos campos onde a nossa turma, e escola ia jogar.

Ele, não era um aluno brilhante, longe disso, mostrava grande falta de concentração, e uma enorme revolta.

Na sala de aulas ocupava sempre os últimos lugares.

Método simplista, de o marginalizar, ou exclui-lo, do resto da turma, com o qual eu, não concordava.

Ainda lembro, a repreensão que levei da professora, por me ter manifestado contra aquela atitude.

Eu era o seu melhor amigo.

Não esqueço o dia em que o Daniel, com voz trémula soltou o desabafo, dizendo.

 

Pois, aqui eu não sirvo para nada, só quando jogamos à bola é que se lembram de mim.

A isso chama-se hipocrisia.

 

Bem o compreendia, já que vivia-mos na mesma aldeia, ele fazia parte do meu grupo de amigos, muitas vezes confidenciava-me, a tristeza que lhe ia na alma.

O futebol, era o escape da sua raiva.

Fazia-se sempre acompanhar do boné, e a bola, debaixo do braço, era a sua imagem de marca.

A vida do Daniel não era nada fácil.

Vivia com a Avó, uma senhora já de alguma idade, criando um foço que descambava, num conflito de gerações.

As dificuldades económicas eram latentes.

Não fosse o sentido solidário que reinava na aldeia, a alguns só lhes restava, a institucionalização.

Quadro esse, que o Daniel rejeitava de forma categórica.

Muitas vezes desabafava comigo dizendo.

 

Diogo, por vezes pergunto a mim mesmo, para quê que nasci.

Os meus Pais nem se lembram que existo.

 

Ia chutando a bola, contra o muro a compasso, matando as pausas que se faziam na conversa.

Isso até que era verdade, o Pai do Daniel, há muito que tinha imigrado para o Brasil, a Mãe, havia enveredado pelo caminho da prostituição, vindo depois a juntar-se com um homem, do qual já tem um filho.

Recordo, uma tarde que estávamos a jogar berlindes, no pátio da casa do Daniel, quando ela chegou.

 

Olá Filho!

Estás grande e bonito.

 

O Daniel manteve-se imóvel, ignorando a presença dela.

 

Não me dás um beijo?

 

Eu não costumo beijar estranhos.

 

Trago-te aqui um spectrum 48k e jogos.

 

Pensava ela estar a dar-lhe um grande presente, mas o Daniel foi incisivo e lacónico.

 

Vens dar-me isto, para quê?

Visitas-me duas ou três vezes no ano, para me dares presentes, mas ignoras o que eu mais preciso.

Sabes o que é?

Pois, pela tua cara, já vejo que não.

Vives com outro homem, de quem já tens um filho, e eu?

Sou o suplente?

É isso?

Estou para aqui esquecido e abandonado nesta aldeia com a minha Avó, que tudo faz por mim, mas o que eu mais queria, era ter Pai, e Mãe!

Dele não sei nada, e de ti nada sei, nem quero saber.

Eu não quero prendas, quero sim, amor e carinho.

Quero ser um adolescente como os outros.

Vens-me trazer presentes, usados pelo teu outro filho?

O que para ele, já não serve, trazes para mim?

Eu não sou caixote de lixo.

Nem sou o outro!

Sei que infelizmente sem ter feito nada por isso, sou filho de um Deus menor.

Tu alimentas esta injustiça, à 8 anos haver dois pesos e duas medidas.

Ou tornei-me teu enteado?

Foi isso?

Faz-me um favor.

Esquece que eu existo.

Não te quero ver mais.

Não me procures.

Eu morri.

Vai-te embora, e leva o que trouxeste.

Se já não serve para ele, também não ade servir para mim.

Ou então, dá a uma instituição.

 

Colocou o braço sobre os meus ombros, e acrescentou.

 

Os meus amigos da aldeia, não se esquecem de mim, com eles, sei que poço incondicionalmente contar.

Exemplo disso, é o Diogo, e a família dele.

Deixa-me em paz, e segue o teu caminho.

 

Senti-me confrangido perante tal situação.

Tem calma Daniel.

 

Diogo, tu és o meu melhor amigo, conheces-me como ninguém, e sabes que sou frontal.

 

Mas Daniel, é a tua Mãe!

 

Avó, ser Mãe é estar presente, é dar amor e carinho.

Ao longo destes anos ela teve um só dia para estar comigo?

Diga lá, teve?

Acho que o único tempo que teve para mim foi para me dar à luz.

Para me trazer a este mundo de sofrimento.

Desaparece.

Quando faço anos nem sempre te lembras da data.

Agora que estamos a chegar ao Natal, apareces com as sobras do teu filho, sim porque esse é o teu filho.

Eu, sou aquele que estou para aqui, a quem tu nem um telefonema fazes.

Nem te preocupas como vou na escola, nem se estou doente, ou a passar fome.

Como queres que eu veja em ti uma Mãe?

Sabes, não sou hipócrita.

Prefiro as verdades, mesmo que elas magoem, que a mentira, ou fingimento.

Alguma vez quiseste saber qual foi a minha primeira palavra que escrevi?

Foi Mãe.

É o que não tenho.

Olhar para ti, ou para uma outra mulher, é a mesmíssima coisa.

No teu olhar nunca vi ternura, e ânsia por mim.

Vejo sim, frieza, e distância.

Acho que perdeste a noção do tempo.

O Daniel, cresceu, já tenho 12 anos.

Chegas junto de mim, e perguntas.

Está tudo bem filho?

Achas, que está?

 

Mas eu, Daniel.

 

Não, não quero que te desculpes, e muito menos que te justifiques.

 

Mas filho, ouve-me!

 

Não me venhas com mais falsas promessas.

Eu não quero, nem preciso das tuas esmolas, nem dos brinquedos que o teu outro filho já não usa.

Não me compram, com bens materiais.

Sabes, a minha vida é uma bola, só lamento, que seja uma bola quadrada!

Mas ainda hei-de, marcar muitos golos, na baliza da vida!

Irei festejar as vitórias, e aprender com as derrotas.

Mas tudo farei, para ser sempre justo!

 

 

DIOGO_MAR

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

UMA MORTE ANUNCIADA



Lavramos os dias, calcorreando caminhos inóspitos vestidos de breu e amargura, prenhos de incógnitas, num palco de realizações e frustrações, onde não passamos, de meros atores, espezinhados, e reduzidos a uma ínfima partícula numerada.

Regamos incessantemente, a planta da esperança, que não é mais que um falso alimento para a alma, um pedido de empréstimo, contraído à felicidade, pautada por um adiamento perpétuo.

Nós, prisioneiros, de pés acorrentados a bolas de ferro incandescente, arrastamo-los ensanguentados, desfalecendo impotentes, por sobre os nossos desgarrados sonhos, reduzidos a lágrimas lúgubres de sofrimento, tornando-os numa miragem.

Estamos exaustos, ultrajados e sem rumo!

A realidade nua e crua, cilindra a espuma dos dias, emprestando-lhe uma cor pardacenta, um lusco-fusco onde pairam as nossas silhuetas cadavéricas, num desalento ferido de morte.

Abortamos ou adiamos planos, que nos conduzem a tão almejada felicidade, que fugidia, se perde pelos recônditos cantos viciados e empedernidos de um inusitado narcisismo doentio.

Não passamos de meros objetos usados e abusados, pelo fundamentalismo religioso, bem como pela promiscuidade, do tabuleiro do xadrez político e financeiro.

Este é o preço inevitável da globalização, excêntrica e aglutinadora.

A sociedade entrou numa verdadeira espiral de intolerância, é um verdadeiro vulcão a expelir raiva e ódio.

Perdemos o norte e as referências, que nos foram incutidas e pelas quais regíamos a nossa conduta, agora escravizada, amordaçada e rendida ao gáudio do materialismo.

Vegetamos na sombra dos dias, com a vida a passarmos ao lado, irremediavelmente condenados as clivagens sociais, da guilhotina cega e raivosa, do capitalismo voraz, sem pejo em decepar-nos o futuro.

Esta aldeia global, está a ser varrida, por ventos que transportam uma desumanidade férrea, demolidora e implacável.

Para onde vamos???

 

“Os inteligentes construíram o mundo. Mas quem disfruta dele e triunfa são os imbecis.”

Pino Aprile

 

 

Diogo Mar

domingo, 2 de novembro de 2014

AS CINZAS DOS DIAS



Dedo em riste, palavras de ferro incandescente, jorrado à tua altivez faraónica, arrasto-me feito restolho, pelos ventos agrestes e sinistros que pela noite cantam.

As paredes febris transpiram lágrimas envenenadas pela solidão.

A janela indiscreta é a montra para o abismo, de um mundo infame e sem norte, num bulício frenético, ébrio de desalento, que devora sôfrego e alarvemente o egocentrismo.

Os valores submergem num oceano de águas cruéis salgadas pela indiferença.

Perdemo-nos, na metamorfose da penumbra de becos lamacentos, onde reina a obscuridade.

Não sei de mim!

Este labirinto existencial, de relutância na aceitação de uma sociedade efémera e petrificada pela escravatura do materialismo, asfixia as minhas referências tornando-as moribundas na minha memória.

Sinto-me perdido!

Terra, faminta e carente, pelo fertilizante do verdadeiro altruísmo, regada com a dignidade.

Alma cega

Coração de pedra

Lábios de chumbo

Sociedade em delírio, acorrentada e vergada ao jugo da superficialidade e da fachada, onde não cabe a verticalidade e carater.

Encerro a janela indiscreta, tranco-a com os ferrolhos lúgubres e corro a cortina do desencanto.

Lá fora, o mundo em ruinas, vegeta de forma penosa, venerando exuberantemente o egoísmo no crepúsculo do desalento.

 

 

Diogo Mar