quarta-feira, 15 de agosto de 2012

UM DIA ISTO TINHA DE ACONTECER

Está à rasca a geração dos pais que educaram os seus meninos numa abastança caprichosa, protegendo-os de dificuldades e escondendo-lhes as agruras da vida. 
 
Está à rasca a geração dos filhos que nunca foram ensinados a lidar com frustrações. 
 
A ironia de tudo isto é que os jovens que agora se dizem (e também estão) à rasca são os que mais tiveram tudo. Nunca nenhuma geração foi, como esta, tão privilegiada na sua infância e na sua adolescência. E nunca a sociedade exigiu tão pouco aos seus jovens como lhes tem sido exigido nos últimos anos.
 
Deslumbradas com a melhoria significativa das condições de vida, a minha geração e as seguintes (actualmente entre os 30 e os 50 anos) vingaram-se das dificuldades em que foram criadas, no antes ou no pós 1974, e quiseram dar aos seus filhos o melhor.
 
Ansiosos por sublimar as suas próprias frustrações, os pais investiram nos seus descendentes: proporcionaram-lhes os estudos que fazem deles a geração mais qualificada de sempre (já lá vamos...), mas também lhes deram uma vida desafogada, mimos e mordomias, entradas nos locais de diversão, cartas de condução e 1.º automóvel, depósitos de combustível cheios, dinheiro no bolso para que nada lhes faltasse. Mesmo quando as expectativas de primeiro emprego saíram goradas, a família continuou presente, a garantir aos filhos cama, mesa e roupa lavada.
 
Durante anos, acreditaram estes pais e estas mães estar a fazer o melhor; o dinheiro ia chegando para comprar (quase) tudo, quantas vezes em substituição de princípios e de uma educação para a qual não havia tempo, já que ele era todo para o trabalho, garante do ordenado com que se compra (quase) tudo. E éramos (quase) todos felizes.
 
Depois, veio a crise, o aumento do custo de vida, o desemprego, ... A vaquinha emagreceu, feneceu, secou.
 
Foi então que os pais ficaram à rasca.
 
Os pais à rasca não vão a um concerto, mas os seus rebentos enchem Pavilhões Atlânticos e festivais de música e bares e discotecas onde não se entra à borla nem se consome fiado.
Os pais à rasca deixaram de ir ao restaurante, para poderem continuar a pagar restaurante aos filhos, num país onde uma festa de aniversário de adolescente que se preza é no restaurante e vedada a pais.
 
São pais que contam os cêntimos para pagar à rasca as contas da água e da luz e do resto, e que abdicam dos seus pequenos prazeres para que os filhos não prescindam da internet de banda larga a alta velocidade, nem dos qualquercoisaphones ou pads, sempre de última geração.
 
São estes pais mesmo à rasca, que já não aguentam, que começam a ter de dizer "não". É um "não" que nunca ensinaram os filhos a ouvir, e que por isso eles não suportam, nem compreendem, porque eles têm direitos, porque eles têm necessidades, porque eles têm expectativas, porque lhes disseram que eles são muito bons e eles querem, e querem, querem o que já ninguém lhes pode dar!
 
A sociedade colhe assim hoje os frutos do que semeou durante pelo menos duas décadas.
 
Eis agora uma geração de pais impotentes e frustrados.
 
Eis agora uma geração jovem altamente qualificada, que andou muito por escolas e universidades mas que estudou pouco e que aprendeu e sabe na proporção do que estudou. Uma geração que colecciona diplomas com que o país lhes alimenta o ego insuflado, mas que são uma ilusão, pois correspondem a pouco conhecimento teórico e a duvidosa capacidade operacional.
 
Eis uma geração que vai a toda a parte, mas que não sabe estar em sítio nenhum. Uma geração que tem acesso a informação sem que isso signifique que é informada; uma geração dotada de trôpegas competências de leitura e interpretação da realidade em que se insere.
 
Eis uma geração habituada a comunicar por abreviaturas e frustrada por não poder abreviar do mesmo modo o caminho para o sucesso. Uma geração que deseja saltar as etapas da ascensão social à mesma velocidade que queimou etapas de crescimento. Uma geração que distingue mal a diferença entre emprego e trabalho, ambicionando mais aquele do que este, num tempo em que nem um nem outro abundam.
 
Eis uma geração que, de repente, se apercebeu que não manda no mundo como mandou nos pais e que agora quer ditar regras à sociedade como as foi ditando à escola, alarvemente e sem maneiras.
 
Eis uma geração tão habituada ao muito e ao supérfluo que o pouco não lhe chega e o acessório se lhe tornou indispensável.
 
Eis uma geração consumista, insaciável e completamente desorientada.
 
Eis uma geração preparadinha para ser arrastada, para servir de montada a quem é exímio na arte de cavalgar demagogicamente sobre o desespero alheio.
 
Há talento e cultura e capacidade e competência e solidariedade e inteligência nesta geração?
Claro que há. Conheço uns bons e valentes punhados de exemplos!
Os jovens que detêm estas capacidades-características não encaixam no retrato colectivo, pouco se identificam com os seus contemporâneos, e nem são esses que se queixam assim (embora estejam à rasca, como todos nós).
 
Chego a ter a impressão de que, se alguns jovens mais inflamados pudessem, atirariam ao tapete os seus contemporâneos que trabalham bem, os que são empreendedores, os que conseguem bons resultados académicos, porque, que inveja! que chatice!, são betinhos, cromos que só estorvam os outros, e, oh, injustiça!, já estão a ser capazes de abarbatar bons ordenados e a subir na vida.
 
E nós, os mais velhos, estaremos em vias de ser caçados à entrada dos nossos locais de trabalho, para deixarmos livres os invejados lugares a que alguns acham ter direito e que pelos vistos - e a acreditar no que ultimamente ouvimos de algumas almas - ocupamos injusta, imerecida e indevidamente?!!!
 
Novos e velhos, todos estamos à rasca.
 
Apesar do tom desta minha prosa, o que eu tenho mesmo é pena destes jovens.
 
Tudo o que atrás escrevi serve apenas para demonstrar a minha firme convicção de que a culpa não é deles.
 
A culpa de tudo isto é nossa, que não soubemos formar nem educar, nem fazer melhor, mas é uma culpa que morre solteira, porque é de todos, e a sociedade não consegue, não quer, não pode assumi-la. Curiosamente, não é desta culpa maior que os jovens agora nos acusam.

Mia Couto

TANTA VERDADE QUE ATÉ DOI!

Conselho aos Filhos de Portugal

O nosso País visto por alguem do lado de fora


Se és um jovem português,
atravessa a fronteira do teu País
e parte destemido
na procura de um futuro com Futuro
  
Porque no teu País
A Educação é como uma licenciatura
tirada sem mérito e sem trabalho,
arquitectada por amigos docentes
e abençoada numa manhã dominical
  
Porque no teu País
É mais importante a estatística dos números
que a competência científica dos alunos.
O que interessa é encher as universidades,
nem que seja de burros
  
Porque no teu País
A corrupção faz parte do jogo
onde os jogadores e os árbitros
são carne do mesmo osso
e partilham o mesmo tempero
  
Porque no teu País
A justiça é ela própria uma injustiça
porque serve quem é rico e influente
com leis democraticamente pobres
  
Porque no teu País
As prisões não são para os ladrões ricos
porque os ricos não são ladrões
já que um desvio é diferente de um roubo
  
Porque no teu País
A Saúde é uma doença crónica
onde, quem pouco tem
é sempre colocado na coluna da despesa
  
Porque no teu País
Se paga a quem nada faz
e se taxa a quem pouco aufere
  
Porque no teu País
A incompetência política
é definida como coragem patriótica
  
Porque no teu País
 O mar apenas serve para tomar banho
e pescar sardinhas
  
Porque no teu País
Um autarca condenado à prisão pela justiça
pode continuar em funções em liberdade
passeando e assobiando de mãos nos bolsos
  
Porque no teu País
Os manuais escolares são pagos
enquanto a frota automóvel dos políticos
é topo de gama
  
Porque no teu País
Há reformas de duzentos euros
e acumulação de reformas de milhares deles
  
Porque no teu País
A universidade pública deixou cair a exigência
e as licenciaturas na privada
tiram-se ao ritmo das chorudas mensalidades
  
Porque no teu País
Os governantes, na sua esmagadora maioria
apenas possuem experiência partidária
que os conduz pelas veredas do "sim ao chefe"
  
Porque no teu País
O que é falso, é dito como verdade,
sob Palavra de Honra!
São votos ganhos numa eleição
  
Porque no teu País
As falências são uma normalidade,
o desemprego é galopante,
a criminalidade assusta,
o limiar da pobreza é gritante
e a venda de Porsche e Ferrari ... aumenta
  
Porque no teu País
Há esquadras da polícia em tal estado
onde os agentes se servem da casa de banho
dos cafés mais próximos
  
Porque no teu País
Se oferecem computadores nas escolas
apenas para compor as estatísticas
do saber "faz de conta" em banda larga
  
Porque no teu País
Se os teus pais não forem ricos
por mais que faças e labutes
pouco vales sem um cartão partidário

 
Porque no teu País
Os governantes não taxam os bancos
porque, quando saírem do governo
serão eles que os empregam
  
Porque no teu País
És apenas mais um número
onde o Primeiro-Ministro se chama Alice
que vive no País das Maravilhas
mesmo ao lado do teu.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Geração Caralhete

Nos Morangos, a palavra "pessoal" é dita 53 vezes por minuto, normalmente inserida nas frases "Eh pá, pessoal!", no início de cada conversa, ou então "Bora lá, pessoal", antes do início de qualquer actividade.
Os gajos são todos betinhos (até os mânfios são todos giros e cool e com uma caracterização ridícula, como se fossem a um baile de máscaras vestidos de agarrados ou arrumadores de carros). Mas depois são bué mauzões, man! A brincar com os seus iPhone, com as suas roupinhas fashion, grandes vidas, mas muita mauzões.
Mas Se há algo que esta geração de morangada não pode ser, não tem direito a ser, é ser rebelde. Rebelde porquê, contra quê? Nunca houve em Portugal geração mais privilegiada do que a actual, à qual esses putos pertencem. Nunca qualquer puto teve tanta liberdade e tanta guita no bolso como esta malta. Nunca as pitas foram tão boas e tão disponíveis para foder com a turma inteira como agora. Nunca houve tamanha liberdade de mandar os pais à merda e exigir uma melhor mesada porque é altura dos saldos. Rebelde porquê? Em nome de quê?
É claro que isto são pormenores com os quais as novelas não se deparam, nem têm de o fazer. O objetivo é simples: para uma geração tão privilegiada como aquela que é retratada, há que criar uma rebeldia fictícia, porque não é cool ser dondoca aos 16 anos. Mas é o que todos eles são.
Há uns tempos vi, no Largo do Carmo, um bando de uns 15 putos e pitas, vestidos à "dread" com roupinha acabada de comprar na "Pepe Calças de ganga".
Um dos putos que ia à frente, não devia ter mais de 16 anos, vem a falar à idiota como se fosse dono da rua, saca duma lata de tinta e escrevinha qualquer coisa de merda na parede. Todos se riram, todos adoraram, e ele foi, durante cinco minutos, o maior do bairro. Não fiz nada, mas devia ter-lhe partido a boca toda.
Todas as últimas gerações antes desta (incluindo a minha, a Geração Rasca, que se transformou na Geração Crise - bem nos foderam com esta merda) tiveram de furar, de lutar, de fazer algo. Havia uma alienação mais ou menos real, que depois se podia traduzir nalguma forma de rebeldia. Não era o 25 de Abril como os nossos pais. A nossa revolução é a dos recibos verdes e da consolidação orçamental. Mas esta morangada sente-se, devido à merda que a televisão lhes serve e aos paizinhos idiotas que (não) a educaram, que é dona do mundo. Quando já és dono do mundo, vais revoltar-te contra quem? E por que raio haverias de o fazer?!
E assim vamos nós. Com novelas de putos "rebeldes", feitas por "actores" cujo momento de glória é entrar numa boys band ou aparecer de cú ao léu na capa da FHM, ensinando a todos os outros putos que temos que ter cuidado com as drogas (mas todos os agarrados são limpinhos, assépticos, com os mesmos penteados ridículos), que a gravidez adolescente é má (mas todas as pitas querem foder à grande, porque são donas da sua própria vida e os pais não sabem nada, etc) e que, sobretudo, este mundo lhes deve alguma coisa. Os tomates. A mim e aos meus, o mundo deve alguma coisa. Aos que foram atrás da merda do canudo para trabalhar num call center, aos que se matam a trabalhar e são forçados a ser adultos antes do tempo. Não a esta cambada de mentecaptos.
E depois estas séries vão retratando "problemas sociais da juventude", afagando a consciência de quem "escreve" aquela merda, enquanto ao mesmo tempo incentivam esta visão egocêntrica, egoísta e vácua desta geração acabadinha de sair do forno.
Talvez eu esteja a ficar velho e a soar como o meu pai. Lamento se não é cool. Mas esta merda enoja-me.
Vão ser rebeldes pó caralhete."

RESIGNAÇÃO NUNCA

Desculpem este meu desabafo, mas já nem sei de mim, fazem-me sentir uma amálgama que perdeu todas as referências, contrarias aos princípios que me incutiram.
Nasci num país que não pude escolher,
os meus progenitores transmitiram-me valores e princípios que volvidos estes anos vejo que estão adulterados.
A sociedade entrou num beco sem saída.
Plástica, artificial, fútil, ego centrista.
Onde mora o amor ao próximo? A solidariedade, os valores morais e éticos!
Temos ao longo destes anos traçado, uma caminhada para o abismo, perante toda a passividade e laxismo das mais altas instituições com responsabilidade por este pedaço de terra a que romanticamente chamam de JARDIM A BEIRA MAR PLANTADO.
Eu muito francamente, mais me apetece chamar RÉPÚBLICA da _incúria _total e absoluta.
E para justificar esta minha designação, pergunto:
Conhecem algum organismo que funcione bem? Alguma instituição que seja transparente e que cumpra integralmente o papel para o qual foi criado?
O que eu constato, é uma lei que se apoderou deste País, sabem qual?
O deixa andar, agregada aos atestados de ignorantes que nos vão dando todos os dias, e a uns anos a esta parte já sem pudor, é mesmo a escâncara.
A passividade de todos nós levou a que estes senhores conduzissem este pequeno barco cheio de rombos, a um porto conspurcado de lixo humano e com cheiro a bafio, de mentes iluminadas para o Chico espertismo.
Estamos confinados, mas não devemos estar resignados.
Ainda sinto o sangue Luso a ferver, de RAIVA.
Recuso-me a ser mais um dos silenciosos.
E sabem porquê? A mim sempre me disseram que quem cala consente.
eu não vou por aí.
A nossa sociedade precisa de acordar, porque nem tudo são novelas, futebol e tolk-chous.
Urge a necessidade de dar uma grande lição a estes senhores que nos fazem privar de tudo a que temos direito. Sim, direito.
Ou será que poder usufruir das regalias que a vida me devia dar é pedir de mais?
Chega de méras actitudes de cosmética.
Mas tudo isto é utópico, e sabem porquê?
porque temos nós que pagar a crise, crise essa provocada por esses _energúmenos _incompetentes e _oportunistas.
Estou com vontade de vomitar de NOJO E DE RAIVA, perante a situação que nos impuseram.
Temos de passar necessidades privar-nos de quase tudo, não tarda, até de respirar nos vão privar.
Estão-nos a empurrar para um campo de concentração altamente mortífero: sabem qual?
O de perder-mos a nossa auto estima e a nossa própria dignidade.
Eles tem vindo a delapidar o património que nos incutiram os nossos Pais. e não me venham com a ladainha, que eram outros tempos.
Princípios e valores são intemporais.
Agora estamos acorrentados, e amordaçados por uma anarquia institucionalizada.
Este País está ferido de _morte, perante a _vanglarisação desses _mentecaptos que não servem para nada.
De resto acho que tenho a chave para sair-mos da crise.
Exportar incompetência, inépcia, ignorância, injustiça e fachada.
Tenho a certeza que num ápice ficávamos com a balança do tão falado deficit favorável.
Mas esta minha solução morre a nascença: sabem porquê?
Porque ninguém compra estes _energúmenos, _são _maus de _mais, ninguém lhes pega.
Por isso infelizmente temos que continuar a coabitar com esta _CORJA.
O pior é que eles assistem do palanque a nossa morte lenta.
Por isso digo: não ao silencio,
não ao comodismo,
não a resignação.
Temos de lutar, temos de dar uma boa e grande lição a esta _seita de _interesseiros e _mentirosos.
Não podemos baixar os braços. Venha daí a nossa raça, a nossa bravura, o nosso GRITO.
A morrer que seja de pé.
Por um País mais próspero e promissor para mim, para os meus Filhos.
Não podemos esquecer, o que fizermos hoje, é o que se irá reflectir no futuro dos jovens, e das crianças deste Portugal.
Por tudo isto, lutemos hoje por nós, perspectivando o amanhã deles.
Por tudo isto vale a pena não desistir-mos.

Diogo_Mar

ESTRELA DA TARDE

Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca, tardando-lhe o beijo, mordia
Quando à boca da noite surgiste na tarde tal rosa tardia
Quando nós nos olhámos tardámos no beijo que a boca pedia
E na tarde ficámos unidos ardendo na luz que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia
Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia
Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amorEu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram
Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram
Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles que à noite amando se deram
E entre os braços da noite de tanto se amarem, vivendo morreram
Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza
Meu amor, meu amorEu não tenho a certeza
Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo e acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto
Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto!

José Carlos Ary dos Santos

Retalhos da Vida de um Médico

Serras, veredas, atalhos,Estradas e fragas de vento,Onde se encontram retalhos
De vidas em sofrimento
Retalhos fundos nos rostos,Mãos duras e retalhadas
Pelo suor do desgosto,Retalha as caras fechadas
O caminho que seguiste,Entre gente pobre e rude,Muitas vezes tu abriste
Uma rosa de saúde
Cada história é um retalho
Cortado no coração
De um homem que no trabalho
Reparte a vida e o pão
As vidas que defendeste,E o pão que repartiste,São lágrimas que tu bebeste
Dos olhos de um povo triste
E depois de tanto mundo,Retalhado de verdade,Também tu chegaste ao fundo
Da doença da cidade
Da que não vem na sebenta,Daquela que não se ensina,Da pobreza que afugenta
Os barões da medicina
Tu sabes quanto fizeste,A miséria não segura,Nem mesmo quando lhe deste
A receita da ternura.

Fernando Namora

domingo, 25 de março de 2012

SE

Se podes conservar o teu bom senso e a calma
No mundo a delirar para quem o louco és tu…
Se podes crer em ti com toda a força de alma
Quando ninguém te crê…Se vais faminto e nu,

Trilhando sem revolta um rumo solitário…
Se à torva intolerância, à negra incompreensão,
Tu podes responder subindo o teu calvário
Com lágrimas de amor e bênçãos de perdão…

Se podes dizer bem de quem te calunia…
Se dás ternura em troca aos que te dão rancor
(Mas sem a afectação de um santo que oficia
Nem pretensões de sábio a dar lições de amor)…

Se podes esperar sem fatigar a esperança…
Sonhar, mas conservar-te acima do teu sonho…
Fazer do pensamento um arco de aliança,
Entre o clarão do inferno e a luz do céu risonho…

Se podes encarar com indiferença igual
O triunfo e a derrota, eternos impostores…
Se podes ver o bem oculto em todo o mal
E resignar sorrindo o amor dos teus amores…

Se podes resistir à raiva e à vergonha
De ver envenenar as frases que disseste
E que um velhaco emprega eivadas de peçonha
Com falsas intenções que tu jamais lhes deste…

Se podes ver por terra as obras que fizeste,
Vaiadas por malsins, desorientando o povo,
E sem dizeres palavra, e sem um termo agreste,
Voltares ao princípio a construir de novo…

Se puderes obrigar o coração e os músculos
A renovar um esforço há muito vacilante,
Quando no teu corpo, já afogado em crepúsculos,
Só exista a vontade a comandar avante…

Se vivendo entre o povo és virtuoso e nobre…
Se vivendo entre os reis, conservas a humildade…
Se inimigo ou amigo, o poderoso e o pobre
São iguais para ti à luz da eternidade…

Se quem conta contigo encontra mais que a conta…
Se podes empregar os sessenta segundos
Do minuto que passa em obra de tal monta
Que o minute se espraie em séculos fecundos…

Então, á ser sublime, o mundo inteiro é teu!
Já dominaste os reis, os tempos, os espaços!…
Mas, ainda para além, um novo sol rompeu,
Abrindo o infinito ao rumo dos teus passos.

Pairando numa esfera acima deste plano,
Sem receares jamais que os erros te retomem,
Quando já nada houver em ti que seja humano,
Alegra-te, meu filho, então serás um homem!…

(RUDYARD KIPLING