quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

O JOELHO DA SOLIDARIEDADE HISTÓRIA_12



Aquela manhã a aldeia despertou, sob um denso manto de neve.

Da janela de sacada do meu quarto, gozava de uma paisagem de privilégio, já que a casa da minha Avó, fica inserida numa quinta sobranceira ao povoado.

De pantufas, pijama e com a minha mantinha por sobre os ombros, com a casa confortavelmente aquecida, aquela janela, era a fronteira que delimitava o aconchego, do agreste.

Eu, já sabia, que os invernos por estas paragens são rigorosos, os velhos, dizem que é bom presságio que assim seja.

A sabedoria do grupo que frequenta o largo da aldeia, num jogo de sueca, ou na taberna do Sr. António, diz que a neve trata da terra mata a bicharada, tornando o solo mais fértil para as sementeiras.

Eles, bem que sabiam interpretar o livro da vida, onde o tempo é o mestre.

Estava rendido a tão belo fenómeno.

Eis que ecoa nos meus ouvidos a voz doce e terna da minha avó.

 

Diogo, vem tomar o pequeno-almoço.

 

Soltei mais um bocejo retardatário.

 

Sim Avó, já desço!

O frio que está lá fora, transmitia-me uma vontade acrescida de preguiçar, e quanto mais junto da lareira melhor.

Como eu dizia muitas vezes fazer vida de gato, deitado no escano, a ler um livro, a compasso do crepitar da lenha.

Chegado à mesa, lá me esperava o que eu apelidava de manjar do marquês.

De resto, não sei porquê, os netos estão sempre magros aos olhos dos Avós!

Pão, marmelada, compotas variadas, confecionadas pelas suas mãos ternurentas, cheias de mundo.

Mas não ficava por aqui.

Torradas queijo, fiambre presunto e até por vezes ovos mexidos.

Tudo isto acompanhado por leite e café feito numa grande cafeteira com água onde se dissolvia o pó do café.

Por isso batizei-o, por café da Avó.

Era delicioso.

O quanto era agradável sentir as minhas narinas, inundadas por tão reconfortante cheirinho.

Ela repetia a frase:

 

Vá come Diogo, tens de ficar forte.

Come o que quiseres.

 

Eu sei Avó, obrigado.

Era tratado de forma principesca.

Nada podia faltar ao neto.

Por tudo isto os meus Pais, gracejavam dizendo:

 

A tua Avó estraga-te com mimos!

 

Já com o estômago devidamente aconchegado, fui ter com os meus amigos da aldeia, sem antes ouvir os concelhos que me dava.

Agasalha-te!

Faz atenção com os locais para onde vais brincar!

Diogo, quando ouvires o relógio da torre da igreja dar as badaladas do meio-dia, chega-te para casa.

 

Sim Avó.

Despedi-me dela, com um abraço e o beijinho que tanto gosta e merece.

Era muito bonita, tinha um olhar doce e terno, uma ou outra impressão digital, que o tempo havia gravado, no seu lindo rosto em forma de ruga.

Lá fui a conquista dos montes e vales, ao encontro dos meus amigos.

Embora tivesse bicicleta, o piso estava com gelo, e neve que inviabilizava a sua utilização.

Logo ouvi chamar por mim.

 

Diogo!

 

Veio o Rui, esbaforido ao meu encontro.

Anda estamos no adro da igreja a jogar futebol.

 

Bora lá vamos para ver se aqueço.

 

Hoje está mesmo muito frio, não está Diogo?

 

Mesmo!

Já quase junto do grupo escorrego numa placa de gelo, embatendo com o joelho esquerdo numa pedra, estatelando-me ao cumprido sobre aquela coisa tão fria.

Soltou-se uma gargalhada em uníssono.

 

Então Diogo?

Já não te seguras de pé?

 

Dizia outro:

 

O que bebeste ao pequeno-almoço pa?

 

Esbocei um sorriso, misturado com uma máscara de dor.

O Rui ajudou-me a levantar.

Caminhei para junto deles, mas logo me sentei.

As dores tornavam-se mais intensas.

 

Então Diogo, não jogas?

 

Não, o joelho está a doer-me bastante.

Subi a perna esquerda da calça, e deparei-me com um cenário que me assustou.

O joelho havia enxado de forma galopante.

Foi então que eles se aperceberam da gravidade da minha situação.

 

Ei, Diogo, é melhor chamar uma ambulância.

 

Todos procuravam uma forma de me ajudar.

Eu uma certeza tinha, não conseguiria chegar a casa pelo meu pé.

E a minha Avó como ia ficar!

Foi então que o Rui tomou o comando das operações.

 

Vá, em vez de estarmos aqui a lamentar vamos levar o Diogo para casa.

Eu vou do teu lado esquerdo põe o braço por sobre os meus ombros e dessa forma já não apoias o pé no chão.

 

Rui, espera, eu vou ver se o meu Pai, ainda não saiu, ele leva de carro o Diogo, disse o Jorge.

 

Ok, vai rápido!

 

As dores eram intensas, eu tentava suster as lágrimas.

Era confortado por todos.

 

Tem calma Diogo, vais ver que não é nada de grave.

 

Eis que se ouve o barulho do motor de um carro.

Era o Pai do Jorge.

 

Então rapaz, o que te aconteceu?

 

Escorreguei no gelo, bati com o joelho numa pedra e não consigo andar.

As lágrimas já irrompiam.

 

Mostra lá.

Eilá!

Isto está feio!

Melhor é irmos diretamente ao hospital.

 

Não por favor não.

Quero a minha Avó.

Leve-me até ela se faz favor.

 

Claro que sim, mas se ela achar por bem levo-te de seguida ao hospital.

 

E o Sr. João o endireita?

 

Questionou o Rui.

 

Não acha uma boa ideia Sr. Henrique?

 

Olha, agora é que falaste acertado Rui.

Vamos diretos lá, pode ser que ele nos diga o que será melhor fazer.

Queres Diogo?

 

Sim quero.

 

Vá eu ajudo-te.

 

Pegou em mim meteu-me no banco traseiro.

 

Só pode vir um comigo.

 

Não te importas que eu vá com o teu Pai Jorge?

 

Claro que não Rui!

 

Vamos lá rápido.

 

Chegados a casa do Sr. João, ele estava a tratar dos animais, a esposa foi chamá-lo, era uma casa de lavoura, mas muito asseada.

 

Então Henrique, o que te traz por cá?

 

Desculpe vir chateá-lo trago-lhe o neto da dona Rita.

 

Que Rita?

 

Da quinta dos Sonhos.

 

A da serra?

 

Sim essa mesmo.

 

Senta aqui neste banco, como te chamas?

 

Diogo.

 

O que te aconteceu?

 

Escorreguei numa placa de gelo, e embati com o joelho numa pedra, dói-me muito.

 

Tira essa perna para fora das calças.

 

Ora deixa la ver.

 

Chi!

Isto está muito enxado!

Eu vou mexer, vais ter que ser forte, ok?

 

Sim.

Segurei com força a mão do Rui.

Podes apertar Diogo, força!

Amordacei o grito de dor, as lágrimas rolavam em fio.

Senti-me desfalecer.

Lembro-me de ser amparado pelo Rui, e pelo Sr. Enrique.

Depois, acordei deitado numa cama, ao som da cadência do tique taque de um relógio de cabeceira.

 

Então, já estás melhor?

 

Sim, eu desmaiei não foi?

 

Exatamente Diogo.

 

Bebe este copo de água com açúcar.

 

Desculpem, só estou a dar trabalho.

Olhei as horas no velho relógio, 12 e 30.

Tenho de ir, a minha Avó, já deve estar a ficar preocupada, ela recomendou-me que fosse para casa, pós as badaladas do meio-dia.

 

Tem calma Diogo, atua Avó já sabe o que aconteceu, e que estas aqui.

 

Meu deus Rui, deve estar muito preocupada. Quero ir para junto dela.

 

Já vamos, só estávamos a espera que ficasses melhor.

 

Obrigado Sr. Enrique, e Sr. João.

Não vai ser necessário ir ao hospital pois não?

 

Não Diogo.

 

Mas não vais poder exercer preção sobre a perna durante 10 dias.

Vais ter de estar em repouso.

Fizeste um traumatismo violento, que desenvolveu um processo inflamatório agudo.

Mas nada de grave.

 

Estava com joelho envolto numa ligadura, e com menos dores.

 

O Sr. João, era o massagista da equipa de futebol la da terra.

Dizem que tem mãos milagrosas.

 

Vais esfregar 3 vezes ao dia esta pomada, feita por mim, com ervas medicinais e tem que se comprar na farmácia este antinflamatório.

 

Ok Sr. João, eu desde já lhe agradeço muito, e depois a minha Avó faz contas com o Sr.

 

Deixa lá isso rapaz, o importante é que fiques bom, e eu um destes dias passo lá para te fazer uma visita.

 

Com todo o gosto!

Chegado a casa fui ajudado por todos os meus amigos, que me esperavam na sala.

Abracei a minha Avó, e confortei-a.

Já estou melhor Avó, já passou o susto.

Tenho fome!

Ri, para desanuviar o clima.

 

Meu Deus Diogo!

Os teus Pais o que vão dizer!

 

Dona Rita, aconteceu ao Diogo, como podia acontecer a um de nós.

 

Avó, tu sabes que eles vão compreender!

 

Henrique, obrigado, e quanto lhe devo?

 

Ora essa dona Rita, não deve nada, só falta ir comprar um antinflamatório, eu de tarde tenho de me deslocar a vila, e poço trazer.

 

Faça-me esse favor.

Já lhe dou o dinheiro e desculpe toda esta trabalheira.

 

O importante, são as rápidas melhoras do Diogo.

 

Obrigado Rui, e a todos claro.

 

Obrigado por quê dona Rita.

Até parece que não conhece os hábitos da nossa aldeia.

Um por todos, e todos por um.

 

Quero agradecer-vos, em me terem dado esta grande prova de amizade.

 

Está bem Diogo, agora, o importante é ficares bom, e não esqueças, repouso.

 

Bom vamos andando.

 

Depois do almoço venham até cá.

Jogamos monopólio, e batalha naval!

 

Ok, combinado!

 

Fixe, assim tenho-vos junto de mim, e os dias tornam-se mais agradáveis.

 

Eu vou buscar a casa uma canadiana esquerda para te trazer.

Tenho lá um par, quando o meu irmão teve o acidente de mota.

 

Ok Rui obrigado.

 

Vai e avisa a tua Mãe que almoças aqui.

 

Está bem dona Rita, obrigado, venho já!

 

O Rui, era como um neto para ela, tinha acompanhado muito de perto o seu crescimento, criando fortes laços, já que a Mãe granjeava, as terras na quinta dos meus Avós.

Estava a ter mais uma grande e inequívoca prova, da solidariedade que impera nas gentes daquela aldeia.

Agora já estava mais confortável, sob a guarda, carinho e amor da minha Avó e da grande amizade e solidariedade, dos meus amigos, destacando o Rui, que sempre foi o meu eleito.

O Ruca para os amigos!

 

 

DIOGO_MAR

5 comentários:

  1. Memórias doces com um pouco de dor à mistura. :)

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  2. r: Fui lê-lo e gostei bastante. Por vezes é mesmo isso que nos acontece: queremos ser tanta coisa e acabamos por não ser nem metade do que idealizamos. Mas os sonhos por mais fantásticos que sejam existem para serem realizados, ou pelo menos para que os tentemos concretizar. Podemos não os cumprir a todos, mas, pelo menos, sabemos que não foi por falta de lutar.

    Muito, muito obrigada. Fico mesmo feliz por ler isso! São duas partes que aprecio bastante e naquele caso concreto, uma vez que para mim viajar é um todo - e não só quando chegamos ao destino - faz-me sentido partilhar todos aqueles pormenores, por mais parvos que pareçam.
    Sim, já tive a oportunidade de constatar. E ler essas histórias é fantástico, até porque nos faz sentir mais perto dos locais.
    Claro que pode, aliás, deve continuar :D

    Beijinhos*

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  3. A história de um neto mimado pela avó, e com uns azares à mistura, às vezes essenciais para que a solidariedade surja de forma natural, e se tenha a certeza das amizades.
    Boa, Diogo!
    xx

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  4. Excelente texto, rico em pormenores, extremamente bem descritos.
    Episódios da vida... com as suas lições de vida... e, às vezes, como foi o caso, com algumas marcas para a vida... mas que são sempre uma fonte inesgotável de histórias e recordações...
    Gostei imenso, Diogo! Abraço!
    Ana

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