segunda-feira, 18 de novembro de 2013

O OUTONO NUM CARTUCHO DE NOTÍCIAS


 
Da janela do meu quarto, ergo os meus olhos para um céu tricotado de nuvens indiscretas.
Deslisam num movimento frenético, ziguezagueando.
Que mensagens transportam?
Serão elas as mensageiras do além?
Evidenciavam uma cara carrancuda.
Pareciam repreender-me, de algo que nem eu próprio sei.
Faziam desenhos algo enigmáticos, como se estivessem numa passerelle, a desfilar para mim.
Estávamos em pleno reinado do outono.
O jardim, encontrava-se despido.
A ausência dos transeuntes, agregada as árvores desnudadas, emprestavam-lhe um ar sinistro e desolado.
O vento varria aquela manta morta, entapetando o chão.
O fervilhar daquele ruido rastejante, eram os ecos de um outono anunciado.
Os bancos, autênticos confidentes de múltiplas histórias que se perdem no tempo, estavam tristes e abandonados.
Os velhos não ocupavam o seu lugar à mesa do jogo da sueca.
As crianças, não o coloriam com o bulício das suas brincadeiras.
Até as aves se tinham divorciado daquelas paragens.
Restava o vendedor de castanhas, colocado estrategicamente à esquina da rua, na confluência de várias estradas, e vidas.
Naturalmente residia nele a esperança de fazer um bom negócio, mesmo sabendo que não depende em exclusivo de si.
Temos sempre a nossa vida a prémio.
Aquele quadro profundamente nostálgico, mexia comigo.
Sentia um aperto no peito, como se estivessem a arrancar-me um pedaço de mim.
Tive necessidade de colocar música, para quebrar aquele silêncio ruidoso, e pesado que me asfixiava.
Fiz um olhar corrido pelo meu arquivo de CDS, e aminha escolha recaiu inevitavelmente sobre a minha banda preferida.
Os Pink Floyd.
O ambiente, denso e impessoal, tornou-se num clima bem mais agradável.
Agora os meus ouvidos, eram inundados pelo som dos Floyd, e nas mãos tinha o Neruda.
Sim, esse mesmo Pablo Neruda.
É um dos meus autores de eleição.
De vez enquanto piscava o olho ao que se passava para lá do vidro da minha janela de sacada.
Sentia-me na fronteira de dois mundos.
Constatei que a chuva já marcava a sua presença, e o céu, já se apresentava completamente toldado, pintando de um cinza carregado aquela tarde envolta numa melancolia, a que eu me negava a resignar.
Corri ligeiramente a janela, para inalar o cheiro a terra molhada.
O vendedor de castanhas, que estava a ganhar a vida, embrulhada em folhas de jornal, com as quais fazia os cartuchos que as transportava, pôs ponto final a sua tarefa.
Recordo uma tarde em que me abeirei dele comprando uma dúzia.
Quentes e boas freguês.
Era um momento mágico, por toda a sua envolvência.
O fumo, o cheiro, despertava olhares apetitosos, pelo fruto, que caracterizava o outono.
Fazia uma alternância, de mão para mão, já que elas fumegavam.
Foi então que senti uma vontade inadiável de coçar o nariz.
Num movimento instintivo, lá vai disto.
Reparei ao passar à porta da barbearia do Bernardino, num olhar de soslaio para o espelho, que tinha-o enfarruscado, da tinta da folha de jornal, onde transpiravam as minhas apetitosas castanhas.
Bom, o melhor é deixar-me ficar por aqui, de outra forma iria alastrá-lo a toda a cara, já que as mãos haviam mudado de cor.
Eu estava feliz, mesmo a sentir a sensação que todos os olhares repousavam sobre mim, não me inibiam o apetite.
Sentei-me num dos bancos para degustar as tão apetitosas castanhas.
Sentia-me um intruso num jardim triste e deserto, ao sabor de um vento árido, a cantar notas de solidão.
Era como um ator sozinho num palco sem plateia.
Sobre os meus ténis, já se tinham plantado algumas folhas daquelas árvores que praticavam um nudismo desavergonhado.
Eram a caducidade e os aromas dos dias, com os quais o calendário não se compadece.
A paleta de cores estava circunscrita aos castanhos, e cinzentos.
Cheguei à última castanha.
Colocava no lixo as cascas, desfazia o cartuxo, restituindo-lhe a sua forma inicial.
Agora bem mais amarrotada, e com linhas e letras, algo impercetíveis.
Ali estava a folha de jornal que me havia saído.
Que noticia, ou noticias teria eu ali?
Taxa de desemprego origina debandada de jovens a procura de outros países.
Cantinas Escolares abrem no período de férias para garantir refeições as crianças.
Aldeias do interior de Portugal, entregues ao abandono, originando um significativo aumento dos Indicies de suicídio, tendo como origem o isolamento e o desespero das famílias abraços com o flagelo do desemprego.
A minha consciência tocou a rebate.
Afinal o momento de felicidade que tinha disfrutado ao saborear a dúzia de castanhas, via-se agora ensombrado por vidas destruídas na sua essência.
Fiz uma pausa de reflexão, velando o sofrimento do meu semelhante.
Desemprego, fome e morte.
Uma realidade nua e crua, num retrato de vidas condenadas a um amontoado de destroços resumidos numa folha de jornal, decepando os sonhos desejados, sob a guilhotina do tempo, onde não passamos de meros passageiros, de histórias inacabadas!

 

Diogo_Mar

5 comentários:

  1. UM texto muito bem construído que entra por outras paisagens levando a reflectir!
    Os Pink Floyd, uma primeira parte do texto onde se invocam vários pontos e disserta sobre eles, as tristes realidades contadas no final, e uma afirmação pertnente: a de que temos sempre a vida a prémio! Tocaste numa verdade maior!

    Gosto (Muito) de te ler. Há suavidade, Diogo :) E gosto (muito) disso :)

    UM abraço grande :) O teu :)

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    1. Muito obrigado Daniel, pelo teu discurso de encorajamento.
      Sinto-me lisongiado por tais palavras.
      Mas sabes, serei sempre um aprendiz da vida, faminto de saber mais, e ainda mais.

      Aquele ABRAÇAÇO

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  2. Mais um texto que me deu muito gosto ler,sempre com aquelas frases poéticas que eu amo..... Mas como tudo nem sempre é sonho, tinha que vir a dura realidade das notícias do jornal !.... Lá se foi o sabor das castanhas ! Mas gostei, parabéns !!!

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  3. Sempre profundos e convidativos à reflexão, assim considero os teus textos...!! Dos quais gosto muito..!!

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